Portugal e os próximos
900 mil desempregados
O austríaco Albert Jaeger é "o" homem do FMI em Portugal -
está no país desde o início do programa, esteve em inúmeras reuniões
com os nativos, ficou a conhecer o ‘establishment' do nosso rectângulo,
ficou a gostar do nosso rectângulo.
Por entre reflexões sobre o que foi o programa da troika e recados
q.b. para o próximo governo, na entrevista a um mês da sua saída de
Portugal, Jaeger deixa um aviso importante: cerca de 20% do emprego em
Portugal está hoje em empresas com fraca sustentabilidade e anos
contados. Por outras palavras: quase 900 mil pessoas têm o seu emprego
em risco nos próximos anos.
Este contingente de pessoas trabalha
em mais de cem mil empresas com produtividade muito baixa e
endividamento muito alto - uma combinação que, para o FMI, torna o seu
fecho apenas numa questão de tempo. São aquelas empresas de que agentes
de execução e quadros na banca falam como folhas secas depois do Inverno
da troika - mesmo sem brisa ligeira vão caindo uma a uma; com vento
forte caem às mãos cheias. Representam um dano futuro em empregos
perdidos - e uma perda presente de recursos aplicados em negócios
provavelmente inviáveis.
A tomada de consciência sobre este
problema coloca o desafio para a política económica num plano diferente.
Afinal, não é só uma questão de criar condições que permitam absorver a
maior parte dos actuais 620 mil desempregados oficiais e dos 243 mil
desencorajados mas disponíveis para trabalhar. O desafio é ainda mais
exigente: a somar a estas contas, a economia terá que evoluir de forma a
ir absorvendo a destruição provável de até 900 mil empregos ao longo
dos próximos anos.
A dimensão deste desafio - ligada à baixa
qualificação dos nossos gestores e trabalhadores, aos incentivos errados
para o endividamento e à gestão negligente da banca comercial - é
suficiente para nos deixar de pés bem assentes na terra. Os caminhos são
curtos. Por um lado, a base exportadora continua a ser demasiado
escassa para absorver tanto emprego - em 2010 compreendia 13% das
empresas e o crescimento das exportações desde então não resulta tanto
do aparecimento de novas empresas, mas de um esforço das já existentes,
lembra Albert Jaeger. Por outro, o actual equilíbrio das contas externas
é frágil - como sublinha o mesmo Jaeger - o que desaconselha um
estímulo centrado sobretudo no consumo privado e no investimento para
ele dirigido.
Dentro do euro a recuperação far-se-á menos
lentamente à medida que Portugal conseguir melhorar o funcionamento das
instituições públicas - tendo sempre em vista ser mais competitivo - e
atrair investimento externo estruturante (que não é aquele que pontifica
neste momento). É a conversa de sempre, sim - mas como o atraso é o de
sempre, mesmo depois da "transformação estrutural" anunciada com o
programa da troika, o desafio mantém-se. Apesar de melhor, a situação
portuguesa continuará frágil e muito dura - mesmo com política boa e
estável, um pressuposto arriscado, será preciso tempo até Portugal
recuperar da bolha de investimento privado gerada com a adesão ao euro.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
31/08/15
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