ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"
"EXPRESSO"
Governo quer regressar à lógica do
. internamento de doentes mentais
Ministério da Saúde argumenta que encerramento de hospitais psiquiátricos aumenta população sem-abrigo
Num momento em que já quase não há ‘manicómios’ para encerrar, é
preciso reconhecer que o país tem e terá necessidade de estruturas
residenciais apoiadas para doentes mentais graves.” Foi assim, sem
hesitações, que o secretário de Estado-adjunto da Saúde explicou esta
semana ao Expresso a decisão do Governo de criar novas
unidades de apoio máximo para doentes com perturbações psicológicas
profundas. Mas a estratégia do Executivo para combater os problemas das
patologias mentais já está a abrir fraturas.
.
As diferenças de
entendimento tornaram-se evidentes esta semana, na cerimónia de
apresentação das recomendações do projeto Integra, uma plataforma de
reflexão com o objetivo de encontrar soluções para inserir pessoas com
perturbações mentais na comunidade. Durante o evento, o secretário de
Estado Fernando Leal da Costa assumiu que, no que toca à saúde mental,
“Portugal está longe do desejável” e definiu como principais carências
do país na área a falta de camas para assistência aguda e de
especialistas para doentes infantis e adolescentes.
.
Divergências técnicas
Minutos
antes, no mesmo evento, o diretor do Plano Nacional de Saúde Mental,
defendera posição oposta à do Governo. A diminuição de 40% dos doentes
institucionalizados até 2012 foi justamente um dos pontos destacados por
Álvaro Carvalho. Questionado pelo Expresso sobre a
orientação do Executivo, o psiquiatra disse discordar, acusando o
Ministério de alterar a linha orientadora até agora definida: “A
humanização, a redução da influência dos hospitais psiquiátricos, com o
desenvolvimento do ambulatório, nomeadamente das consultas externas, em
articulação com os cuidados de saúde primários e a opção pelos Cuidados
Continuados Integrados de Saúde Mental (CCISM) foram definidos como os
três pilares da reforma e do Plano de Saúde Mental. Esta alteração fere
diplomas de 2010 e 2011 concebidos com orientação técnica e os despachos
publicados em julho ferem os princípios legais ao integrar os cuidados
continuados para os doentes mentais nos cuidados continuados gerais.”
As
divergências terão começado quando a Unidade de Missão para os CCISM
discordou do modelo da rede de cuidados continuados integrados para os
doentes com perturbações mentais. “Os motivos não são claros para mim,
se por mera atitude estigmatizante em relação ao sector, se por já se
verificar uma redução significativa do financiamento vindo dos Jogos
Sociais, consequência da diminuição das apostas e da redução do dinheiro
disponível para o desenvolvimento dos cuidados continuados”, pondera
Álvaro Carvalho. Na opinião deste psiquiatra, o anúncio do surgimento de
unidades destinadas a doentes mentais em localidades como Pinhel ou
Soure — tornadas públicas nos diplomas de julho —, “arriscam-se a ser
futuros pequenos hospitais psiquiátricos, localizados em terras do
interior, afastadas da comunidade de origem dos futuros residentes”.
O
secretário de Estado discorda: “Não estamos a falar de instituições de
carácter asilar como eram os antigos hospitais psiquiátricos e, sendo
assim, não é um movimento institucionalizador.” Leal da Costa explica
que “é preciso ter honestidade na discussão deste problema e admitir que
existirá sempre uma população que não foi por encerrar os hospitais
psiquiátricos que desapareceu, pessoas com doença mental grave que
necessitarão de apoio residencial. As tentativas de
desinstitucionalização sem retaguarda, confiando em famílias
inexistentes ou indisponíveis, levaram ao agravamento de fenómenos como o
dos sem-abrigo.”
Também aqui a discordância é total. Álvaro
Carvalho responde que “vários estudos já comprovaram que a população
sem-abrigo aumentou em consequência da crise económica e não devido ao
encerramento de hospitais psiquiátricos”. Mas Leal da Costa não tem
dúvidas em assumir a opção estratégica: “Prefiro ter residências de
apoio máximo a ter doentes a dormir na rua, situações de porta giratória
com internamentos e altas repetidas ou, ainda, com internamentos de
duração excessiva em enfermarias hospitalares destinadas a doentes com
patologia aguda.”
Outra das divergências evidentes nos discursos
de apresentação das recomendações do Projeto Integra resultam do papel a
ser desempenhado pelas autarquias no apoio às populações com
perturbações mentais. Enquanto os especialistas que participaram na
redação do documento apresentado não referiram as estruturas locais, o
secretário de Estado sublinhou a sua importância. Ao Expresso,
explicou que “as autarquias são a forma essencial de organização de uma
comunidade e que, por isso, há projetos em curso com várias autarquias,
nomeadamente na prevenção do suicídio, que não podem ser ignorados
pelos especialistas”.
.
Como na Noruega
Quanto à segunda
grande carência — o apoio às crianças e adolescentes com perturbações
mentais —, o secretário de Estado avançou com a criação de mais dez
camas no Hospital Pediátrico de Coimbra e quatro novos lugares no
Hospital de D. Estefânia, além de uma estrutura ambulatória no edifício
do futuro Centro de Saúde de Queluz.
E, para combater o estigma
associado ao doente mental, Leal da Costa disse que gostaria de ver
medidas adotadas pelo Ministério da Educação. “Na Noruega já há
referências específicas à saúde mental nos ensinos básico e secundário. A
nossa ideia é que entre nos currículos, introduzindo noções que
permitam a intervenção pessoal na interpretação de sinais e da
prevenção, combate às adições, desistigmatização para uma melhor
tolerância dos outros e procura de cuidados no momento próprio.” Os
alunos do ensino superior também não são esquecidos: “Seria ótimo que
noções básicas de saúde, incluindo a prevenção também na esfera da saúde
mental, pudessem ter um papel curricular mais relevante em áreas das
ciências humanas e sociais e não apenas nos cursos profissionais de
saúde.”
* Não temos conhecimentos suficientes nesta matéria para emitir opinião, mas a notícia é importante e o assunto grave. Humanização precisa-se.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário