Sinédoque
1.
Segundo algumas previsões eleitorais, as eleições de 4 de outubro podem
produzir um resultado inédito, ou seja, a vitória de uma coligação
eleitoral sem maioria absoluta e sem que o maior partido da coligação
seja o maior partido na Assembleia da República.
.
.
Nesse caso, qual seria o partido vencedor das eleições? E quem deveria ser chamado a formar governo em primeira linha?
Deve
observar-se antes de mais que as coligações eleitorais não têm
identidade política própria e não substituem os partidos que as compõem
(os candidatos são sempre imputados aos respetivos partidos proponentes)
e que - ponto crucial - elas se dissolvem automaticamente com as
eleições e com a atribuição dos deputados eleitos.
Os partidos
da coligação eleitoral podem eventualmente vir mais tarde a constituir
uma coligação de governo entre si, se tal se proporcionar. Mas para
provar a natureza transitória e efémera das coligações eleitorais, basta
pensar que nada impede que um deles venha a formar uma coligação de
governo com um terceiro partido, preterindo o anterior parceiro.
Seja
como for, sob o ponto de vista constitucional e político quem forma os
governos são os partidos políticos representados na Assembleia da
República e não as eventuais coligações pré-eleitorais, entretanto
desaparecidas. Quando o Presidente da República tiver de decidir sobre a
nomeação do primeiro-ministro, a sua única referência é a geografia
parlamentar resultante das eleições, independentemente das coligações
eleitorais que tenham existido.
2. Salvo a referência genérica
aos "resultados eleitorais" - cujo expressão autêntica é a composição
partidária da Assembleia da República -, a Constituição não estabelece
um critério estrito para a nomeação do governo pelo PR após eleições.
Nas quase quatro décadas de democracia constitucional entre nós, sempre
foi chamado a formar governo o líder do maior partido parlamentar (que é
também o partido real ou virtualmente mais votado), mesmo em caso de
vitória com escassa maioria relativa (caso do PSD em 1985, com menos de
30% dos votos).
Note-se que nos casos de vitória da AD, em 1979 e
1980, não só os partidos da coligação obtiveram em conjunto uma clara
maioria absoluta de deputados mas também o PSD era o maior partido
parlamentar, tendo por isso sido chamado a formar governo e tendo
renovado a coligação com o CDS e o PPM para efeitos governamentais.
Deve
também registar-se que nas suas seis vitórias desde 1976 o PS só teve
mais deputados do que a soma PSD-CDS em três ocasiões (1995, 1999 e
2005). Nas suas demais vitórias eleitorais (1976, 1983 e 2009) o PS teve
menos deputados do que a soma dos dois partidos da direita. No entanto,
mesmo nesses casos, o PS foi sempre chamado a formar governo, como
maior partido que era.
Numa democracia parlamentar são os
partidos que disputam e ganham eleições (mesmo quando optam por
coligar-se) e que formam governos (eventualmente em coligação
governativa). As coligações pré-eleitorais não dão a nenhum dos partidos
coligados o direito de se prevalecerem politicamente dos votos e dos
deputados de toda a coligação. Uma eventual vitória da coligação de
direita não é necessariamente uma vitória do PSD. Uma parte não é o
mesmo que o todo.
Professor de Direito, Constitucionalista.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
24/09/15
.
Sem comentários:
Enviar um comentário