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PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
02/06/15
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Devedores e usurários
Enquanto prossegue a miserável farsa
interpretada pelos figurantes de Bruxelas, os gregos não desistem de
procurar outra saída para a tragédia em que se deixaram enredar.
Os
cinco anos de penúria crescente e ruína generalizada infligida à Grécia
para benefício exclusivo dos seus credores demonstraram o fracasso
definitivo dessas políticas que quaisquer negociadores de boa fé se
apressariam a reconhecer e emendar. Porém, ao cabo de cinco penosos
meses de conversações, quando em cima da mesa se confrontavam propostas
que todos já reconheciam como adequadas para se chegar a um
entendimento, o FMI "deu o dito por não dito" e o representante da
Grécia seria "expulso" da reunião do "Eurogrupo" quando - imagine-se! -
anunciou a intenção de submeter a referendo o compromisso que os
credores lhe exigiam - "é pegar ou largar!" - porque colidia com o
mandato democrático que os eleitores gregos tinham confiado ao seu
Governo e por isso punha em causa a sua legitimidade. Dois mil e
quinhentos anos depois de a ter inventado, a Grécia continua a dar
lições de democracia aos "bárbaros" europeus.
Nesta Europa
desorientada e submissa aos interesses da finança e da usura, operou-se
uma perigosa inversão de valores que subordina a paz e a solidariedade
entre os povos aos egoísmos nacionais e à concorrência desenfreada. Que
submete os tratados fundadores e os direitos humanos garantidos por uma
"carta" juridicamente vinculante às disposições estritas do "pacto
orçamental". Uma Europa que despreza a esperança e a dignidade de
refugiados e cidadãos europeus que procuram alguma segurança no interior
das suas fronteiras e que fazem os maiores sacrifícios para pagar
dívidas e construir um futuro melhor. Num esforço de simplificação
brutal de que os nossos governantes são o mais feroz exemplo, tudo se
resume a que "ninguém pode ser dispensado do cumprimento das suas
obrigações"... e que não há outras obrigações para além da satisfação
pontual dos interesses dos credores! O "serviço da dívida" toma assim o
lugar antes reservado ao "bem comum" e a usura já não é crime nem
pecado.
Como dizia um dos três galardoados com o Prémio Nobel da
Economia, Amartya Sen, Joseph Stiglitz e Paul Krugman - os três
denunciam impiedosamente os governos europeus por não terem ainda
chegado a um acordo com a Grécia! -, ninguém pode ser reduzido à
escravidão para pagar o que deve aos seus credores. A dívida - ao
contrário do roubo, da fraude ou da burla - não é um crime. As
consequências reais de não pagar o que se deve podem tornar-se tão
extremas e destrutivas como a prisão ou a condenação à morte; quando o
devedor fica sem meios de sobrevivência, perde a sua própria casa por
não ter como pagar a prestação ao banco que lhe deu ordem de despejo ou,
achando-se completamente arruinado, em desespero, se suicida. Mas
nenhuma lei prevê que alguém possa ser punido - com uma pena de privação
da liberdade ou da própria vida - só porque não tem meios para pagar o
que deve. A dívida não é um crime porque, embora mereça forte censura
social, não põe em causa os valores fundamentais da vida em sociedade, é
um facto a que não se reconhece uma dimensão ética e por isso não é
passível de se tornar objeto de uma sanção jurídico-criminal. Por outro
lado, a dívida pressupõe a aceitação de um risco e as respetivas
consequências para o devedor e para o credor - os responsáveis pela
avaliação que fizeram do que poderiam vir a ganhar ou perder.
Digno
de censura ética, religiosa e criminal é apenas o comportamento do
credor usurário que se tenha aproveitado das fragilidades do devedor
para lhe impor obrigações inaceitáveis. É assim, no plano moral das
relações entre indivíduos. Por maioria de razão, um povo ou um Estado
não podem ser objeto de um juízo moral que transforme os erros ou os
crimes dos governantes em culpa coletiva. Não fora assim, e os povos
europeus - com os seus velhos impérios coloniais e o "holocausto" alemão
- estariam condenados à expiação eterna de tais crimes.
Chega de
manipulação e demagogia! À mesa das negociações em Bruxelas, o que se
discute não é o pagamento da dívida, mas apenas as condições em que há
de ser paga.
PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
02/06/15
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