O outro Algarve
A estrada que leva ao Farol de Sagres
apresenta, ao fim de cada tarde, um invulgar movimento. Após um
soalheiro dia de verão, é ver a romaria em direção à falésia que marca o
fim do território europeu. São novos, velhos, adultos e crianças,
grande parte estrangeiros, com um agasalho de reforço que indicia que
sabem bem ao que vão. Naquele vento que dá ao lugar uma atmosfera
mítica, eis que o sol inicia o seu mergulho diário, afundando-se no
oceano para lá do horizonte, oferecendo aos entusiastas um inigualável
pôr do sol. A multidão aguarda em silêncio, extasiada, e quando por fim a
enorme bola de fogo se extingue e a luz subitamente baixa, agradece à
natureza com uma simbólica salva de palmas.
Este episódio, que
tive o privilégio de viver no final de semana, é bem o exemplo do
potencial que "o outro Algarve" tem para para ser conhecido e
rentabilizado. Nada contra o sol e a praia, que aliás é de excelência na
região, mas vale a pena desfocar a atenção habitual sobre a fruta
madura e olhar mais alto na copa da árvore do turismo. Foi isso que fez o
município de Vila do Bispo, onde se situa Sagres. Olhou para os seus
ativos com olhos de ver e vem construindo uma estratégia de afirmação
alternativa, que complementa na perfeição as delícias que todos
apreciamos no Algarve. Com a vantagem de combater a sazonalidade.
Para
quem, compreensivamente, se espanta com a famosa onda gigante da
Nazaré, é ver o espetáculo do mar a bater na rocha dura da falésia de
Sagres e a elevar-se bem lá acima dos cinquenta metros, num invernal
rugido da natureza digno de se apreciar. Ou, então, apetrechar-se de uns
binóculos e do equipamento fotográfico, seja ele o mero iphone ou a
câmara de objetiva ultralonga, e apresentar-se nos primeiros dias de
outubro para participar num evento de birdwatching que atrai turistas de
natureza de tantos países, ansiosos por observar os pelotões de
pássaros que, em migração, retemperam energias nas cercanias de Sagres. E
que dizer da refrescante atmosfera de liberdade que a comunidade do
surf e do bodyboard empresta ao concelho e às praias? Os principais
átrios de areia, que dão entrada ao magnífico mar, são sede de escolas
que colocam miúdos e graúdos sobre pranchas, e estas sobre as ondas,
numa dança que é imagem de marca desta ponta de Portugal. Os mais
introspetivos podem sempre descer a falésia e caminhar ao longo da
costa, pois as extensas praias quase desertas ali estão para ser
usufruídas. Por fim, a gastronomia, que por estes dias eleva Vila do
Bispo a capital dos percebes.
Este outro Algarve merece ser
descoberto. Pode não ser para as massas, mas é certamente um magnífico
diamante por lapidar. Vila do Bispo sabe disso e foi, justamente,
considerado o Município do Ano Portugal 2015. Uma lição de como ser
grande, sendo pequeno.
*PROFESSOR CATEDRÁTICO DA UNIVERSIDADE DO MINHO
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
27/07/15
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