Chatices
Estava, portanto, no início dos anos 90 a estudar para ser a melhor secretária dos anos 70.
No oitavo ano, ninguém acredita, mas tive uma
disciplina chamada Práticas Administrativas (e outra chamada
Hortofloricultura e Criação de Animais, em que aprendi o que é uma
cloaca, mas isso fica para outra crónica). As pessoas perguntam-me se
frequentei alguma escola estranha, eu respondo que apenas fiz escolhas
estranhas na normalíssima Escola Secundária D. Pedro V.
Nada na minha memória – nem mesmo a iogurteira ou a faca de pão
eléctrica – se tornou tão obsoleto como o que aprendi naquelas malditas
aulas: escrever
à máquina, passar cheques ou preencher facturas fazendo bom uso dessa
velha modernidade que é o papel químico. Estava, portanto, no início dos
anos 90 a estudar para ser a melhor secretária dos anos 70.
Lembro-me muitas vezes do tempo que perdi a aprender Práticas
Administrativas quando me vejo obrigada a crescer para perceber alguma
coisa de finanças e Segurança Social. Isso sim, devia ter sido ensinado
aos adolescentes dos noventas: Desenrascanço para Futuros Precários, uma
disciplina que eu teria odiado – e a que provavelmente teria chumbado
–, mas cujo domínio daria muito jeito a toda uma geração relutante que
ignorou estas chatices durante demasiado tempo e agora se vai
apercebendo de que está a ser enterrada viva.
Chamem-me mimada, mas eu tenho pânico a qualquer tipo de burocracia. É
tudo demasiado nebuloso para me fazer sentir confiança nas minhas
decisões. Há muita coisa que, mesmo que tivesse sido ensinada, nunca
perceberia – porque, na sua génese, estou em crer que não façam grande
sentido. Mas, tal como tenho pânico da burocracia, tenho ainda mais de
ser enterrada viva, daí esta fantasia de me ensinarem a ser adulta na
escola, em vez de me ensinarem a fazer uma circular (ou o que é uma
cloaca).
Vejo demasiadas pessoas a perder a batalha do achar injusto e não querer
saber e penso no banqueiro anarquista do Fernando Pessoa: é preciso
termos (ou, neste caso, sabermos) para não precisarmos, para não nos
sujeitarmos, para podermos desprezar. Ou, vá, no mínimo para não sermos
sodomizados.
Guionista, apresentadora e porteira
do futuro
IN "i"
25/07/15
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