A distância
Acontece que a modéstia é um bem cada vez mais escasso e que rareia sobejamente no discurso do poder.
Ouvida na rádio, após a notícia da atribuição do Prémio Camões, Hélia
Correia confessou-se “envergonhada” por entender que não tem obra
bastante para tal distinção. A mesma autora que há dias recebeu o Grande
Prémio do Conto Camilo Castelo Branco. Uma simplicidade modesta em boa
hora desmontada pelo reconhecimento de uma obra literária merecedora.
Acontece que a modéstia é um bem cada vez mais escasso e que rareia
sobejamente no discurso do poder. A pesporrência cega por completo a
prudência. E manda esta que, quando se está perante uma situação
desconhecida, logo altamente imprevisível, não se seja peremptório no
que se diz. Assim não pensa quem afirma, como Cavaco Silva, que Portugal
tem “uma reserva de recursos financeiros que permite aguentar o país, o
financiamento do Estado e da economia, durante vários, vários meses”.
Pois! E Passos Coelho adianta que, “racionalmente, era importante
para todos que se pudesse chegar a uma solução que evitasse um
incumprimento grego” (?!). Pois! E que é feito do princípio de
solidariedade entre os estados da União Europeia? Que a zona euro é um
ídolo com pés de barro já se percebeu. Que no mesmo dia em que decorria a
reunião do Eurogrupo, inconclusiva, era anunciada a publicação do
relatório preliminar da Comissão de Auditoria e Verdade sobre a Dívida
Grega.
Que nesse mesmo dia Tsipras era recebido em Moscovo. Que o presidente
dos Estados Unidos não esconde a sua preocupação com a possível saída
da Grécia. Que Pequim já deu também sinais de desconforto. Só os nossos
governantes não parecem muito preocupados! Até lhes convirá que o
desastre grego possa servir de exemplo. Portugal cumpriu à risca, merece
elogio. E o povo que aguente: regras são para cumprir, magister dixit.
Tamanha é a diferença entre a escritora e os “sábios”!
Tamanha é a distância do país real ao centro do poder. Tamanha é a
lonjura da Terra Quente Transmontana, onde a vida escorre por entre
olivais, cerejais e amendoais. O tempo parado na azáfama dos dias que de
sol a sol ocupam as gentes. No campo aviam-se as jornas, que na aldeia
só param os velhos já arrumados. Até onde a vista alcança reverdejam
vinhas a par de extensões de plantio das árvores, espalhafatosas as
cerejeiras a esparramar ramos de matizes vermelhos enfeitados. A pacatez
das aldeias tem vindo a ser rasgada pelo turismo rural.
Há cada vez mais oferta e a procura vai adiante. É o caso da Quinta
Rota d’Oliveira, algures numa aldeia perto de Carrazedo de Montenegro,
vila nordestina donairosa a poucos quilómetros de Mirandela. O
inesperado da decoração da casa foi agradavelmente liquefeito pela
espontaneidade e simpatia dos donos do “hotel”! O hóspede é recebido
como visita da casa e como tal é tratado: à mesa vêm os doces caseiros,
os legumes da horta, o queijo e o vinho da terra, quando não de produção
própria.
Ao serão espraiam-se as conversas, trocam-se histórias de vida,
vêem-se fotografias… Mais que uma simples estada turística fica um
vínculo de amizade, ficam pessoas que se deram a conhecer. Que se
adentraram nos caminhos da empatia, olhos nos olhos. Risos que se soltam
à porfia.
Tamanha é a distância de quem se julga dono da certeza e do país!
IN "i"
20/06/15
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