ESTADO DE GRAÇA
A recente apresentação do novo programa de governo na ALR, enquanto
primeira prestação pública da novel equipa governativa, marca a
diferença e parece inaugurar uma nova postura mais polida e cordata, que
desperta natural curiosidade. Adivinha-se novas sensibilidades, pelo
menos na aparência… Todavia, e como estamos ainda no chamado período de
“estado de graça”, por precaução, é melhor não entoar muitas loas,
porque o caminho ainda vai longo e os exemplos políticos não
desapareceram na noite eleitoral da contagem dos votos; tão logo
chegarão os momentos de crispação, com a execução concreta das decisões
políticas. Aguardemos pela discussão do orçamento retificativo…
O primeiro-ministro é que aproveitou o “estado de graça” regional, para
se lançar no charme da pré-campanha para as legislativas nacionais e
passar uma esponja sobre a sua governação. Ele foi promessas, ele foi
anuências, ele foi consensos sobre quase tudo. Juros da dívida regional,
ligações aéreas com o continente, fundos de coesão, isolamento do Porto
Santo, de repente só boas vontades, pontuados de beijinhos, aplausos e
louvaminhos a rodos. E violinos em fundo. Compromissos assinados, zero;
muitos sorrisos, palmadinhas nas costas e troca de elogios. Para levar a
sério? É melhor continuar a não esperar por resoluções repentinas de
problemas que não sendo de agora, não se adivinham de saída fácil. Para
isso seria necessário sensibilidade social, posicionamento ideológico e
vontade política. E a praia de Passos é outra.
Dos ecos mediáticos acerca do que a novel equipa cá de casa se propõe
fazer, duas questões se registam, a começar pela Educação e pela
discutível intenção do titular da pasta, de fechar escolas. Sobrarão
assim tantos espaços escolares? Sabe-se é que nos últimos tempos foram
dadas indicações para o aumento do número de alunos por turma e, não
sendo consensual que haja um número ideal, sabe-se é que, com turmas
mais pequenas é mais fácil controlar problemas disciplinares, atender a
alunos com necessidades especiais e promover uma melhor qualidade
educativa. Por outro lado, e não desmerecendo a sugestão do Secretário
da Saúde de transformar escolas desativadas a favor dos idosos,
lembre-se que nesta região e por insuficiência de espaços, as escolas
atualmente em funcionamento, fazem-no em regime duplo: manhã e tarde.
Donde, não seria melhor, em vez de encerrar escolas, promover de uma vez
por todas, a escola de turno único ou contínuo, à semelhança dos
Açores, de muitas regiões no Continente, e da generalidade das escolas
dos países europeus? Se todos os alunos tivessem aulas desde a manhã até
meio da tarde, sobraria espaço e tempo para atividades
extracurriculares, para desporto escolar, para reuniões de professores,
etc.
A outra questão que se acompanha com igual curiosidade, é a de um
anunciado Instituto da Floresta e da Natureza, ou coisa que o valha,
ideia já anteriormente proposta por outras forças políticas, mas
naturalmente recusada. Este é um assunto de notável importância, que no
passado recente foi completamente menosprezado pela euforia do betão. A
experiência tem demonstrado como a natureza vulnerável do nosso
território insular, as questões climáticas e a prevenção de incêndios
revestem a gestão da floresta e dos terrenos agrícolas de especial
importância, a que se junta como é bom não esquecer, a responsabilidade
de zelar por um Património Mundial, a Floresta Laurissilva. Sabe-se que a
manutenção da nossa paisagem natural, que tanto encanta naturais e
visitantes, passa por uma adequada limpeza dos terrenos e controlo de
espécies vegetais infestantes, prejudiciais ao nosso ecossistema e
facilmente inflamáveis em caso de incêndio. E sabe-se também que a
urbanização desenfreada das últimas décadas levou ao abandono de
práticas agrícolas, fonte de verde na paisagem, e que urge intervenção,
quer nas zonas de floresta, mas também na zona periurbana, onde convivem
desordenadamente espaços habitacionais com focos de incêndio em
terrenos abandonados.
Falta uma cultura de ordenamento do território e falta uma
responsabilidade cidadã no que respeita à limpeza dos terrenos baldios,
um imperativo de bom senso consagrado na lei, mas que ninguém cumpre.
Com a conivente negligência por parte de responsáveis governativos. E já
que o assunto é a floresta, nem de propósito, um dia destes em contexto
de sala de aula, lia-se num dos manuais de língua estrangeira, sobre um
projeto interessante lá para as bandas dos Alpes. Real ou fictício, o
dito consistia em oferecer atividades de férias em ambiente natural, e
os candidatos teriam estadia gratuita durante uma semana, precisando
apenas pagar a viagem de ida e regresso, envolvendo-se em contrapartida
em trabalho diário na floresta, desde limpeza de espaços, recolha de
ramos caídos e reposição de caminhos pedonais, orientados por técnicos
da floresta… O projeto garantia trabalho árduo, mas em troca, umas
revigorantes férias em plena natureza… Mas isso, claro, são coisas lá
para os Alpes!
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
05/06/15
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