12/06/2015

ELISABETE MIRANDA

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Riscos e falácias 
da TSU socialista

O documento preparado pelos economistas do PS, que esteve na base do programa eleitoral socialista aprovado este fim-de-semana, já toda a gente o disse, tem a virtude de quantificar propostas e de elevar a qualidade do debate. Mas, pelo rumo que os argumentos parecem levar, só quem tiver um modelo de simulação macro-económico no seu computador está habilitado a pôr em causa a bondade de algumas soluções. 
Ficam três notas, assumindo de antemão que elas não qualificam como análise económica.

1. Ao longo das últimas décadas, o espectro da falência da Segurança Social tem andado sempre a rondar. O alarme cria maior consciência dos direitos e deveres contributivos, mas também semeia o medo e erode a confiança no sistema público de pensões. 

Uma das razões pelas quais este mesmo PS resolveu, em 2007, separar mais claramente as prestações sociais que devem ser pagas por impostos gerais daquelas que resultam directamente dos descontos de cada um, foi precisamente para tornar mais clara a relação entre o que se desconta e o que se recebe, reforçando o chamado princípio da contributividade.

Ou seja, apesar de se entender que, em teoria, o Estado é só um, e que em cada momento ele deve ser capaz de gerir os seus recursos e assumir os seus compromissos, reconhece-se que o risco político é grande e que a Segurança Social, pela sua delicadeza, deve ser especialmente protegida.

Quando agora vem propor-se a reduzir a TSU dos trabalhadores e das empresas e a cobrir o buraco maioritariamente por via de impostos, o PS volta a baralhar tudo e destrói  este esforço de segregação do financiamento da Segurança Social que promoveu ainda há poucos anos.

É dito que os cortes serão feitos com a máxima cautela e que há espaço para revertê-los  a qualquer momento. Mas não é preciso ser-se experimentado na política para saber quão difícil é tirar aquilo que já se deu: se as medidas não tiverem o impacto esperado, muito dificilmente o PS voltará a subir o que desceu, nomeadamente no caso da TSU das empresas. A Segurança Social ficará mais debilitada, mais refém da apreciação política dos governos vindouros, e com o fantasma da insustentabilidade mais vivo do que nunca. Basta ver o que acontece hoje em dia com a Caixa Geral de Aposentações.


2.Os socialistas não falam claro sobre quem suporta a descida da TSU das empresas. O embaraço é evidente na tentativa de dissimulação da medida, chamando-lhe "diversificação de fontes de financiamento", mas é-o sobretudo na justificação apresentada. 

Quem ouve António Costa a falar, fica com a ideia de que o que está aqui em causa é obrigar as grandes empresas lucrativas a pagar mais IRC para aliviar os impostos sobre o trabalho às pequenas, que criam mais empregos. E nada é mais enganador.

A descida da TSU das empresas custa 850 milhões de euros por ano, a partir do quarto ano,  um valor que é compensado por 100 milhões de euros de imposto sobre heranças milionárias, 200 milhões de euros de uma taxa que penaliza a alta rotatividade de pessoal, 240 milhões de euros de consignação de IRC (que correspondem ao custo teórico de uma descida de dois pontos de IRC), e os restantes 300 milhões de euros por impostos.

Como "consignar" IRC é tão-somente sinónimo de desviar este dinheiro do Orçamento Geral do Estado para um fim em especifico, obrigando a aumentar impostos ou a reduzir serviços públicos, esta fonte de receita é um financiamento por impostos gerais.
Em suma, com a proposta do PS, as empresas continuarão a pagar a mesma taxa de IRC, todas sentirão um alívio na TSU, e 65% desta redução será financiada pela generalidade dos contribuintes.


3.A narrativa que o partido vem construindo diz mais ou menos isto: depois de o País ter passado por uma das piores recessões da sua história, a prioridade das prioridades é injectar liquidez nas empresas, aumentar a procura e relançar o crescimento económico e o emprego. No contexto de uma união monetária os instrumentos escasseiam, e a descida da TSU, quer para trabalhadores, quer para empregadores, tem de fazer parte da equação. E o que está aqui em causa é escolher entre a catástrofe que é nada fazer e este plano de acção corajoso e controlado.  

Não deixa de ser curioso notar como o mesmo partido que nos últimos quatro ano bradou contra as soluções únicas, tão facilmente arrisca a autonomia da Segurança Social com o argumento de que não há alternativas. 

IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
07/06/15



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