04/04/2015

PAULO MORAIS

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O Fi(a)sco

A base de dados das Finanças parece estar à mercê de qualquer curioso, funcionário do fisco, amigo ou vizinho.

Os dados fiscais dos portugueses podem ser alvo da devassa por parte de qualquer dos dez mil funcionários do fisco. Mas esta situação jamais preocupou governantes e dirigentes da Administração Pública. Até que os jornais começaram a publicar dados nada interessantes relativos… aos próprios governantes.

A base de dados das Finanças parece estar à mercê de qualquer curioso, funcionário do fisco, amigo ou vizinho. Soube-se agora que as empresas podem ter acesso à informação fiscal dos concorrentes, que os nossos condóminos podem saber quanto cada um de nós paga de IRS, os sogros podem espiar os namorados das ilhas ou os herdeiros anteciparem o que vão receber, face aos montantes de impostos sobre o património de pais ou tios. Uma devassa generalizada.

Mas não só! Os mirones da base de dados das Finanças podem também escrutinar os nossos hábitos quotidianos. Com a generalização do pedido de fatura no café, cabeleireiro ou supermercado, toda a nossa vida é rastreada graças ao "número de contribuinte na fatura". A estação de serviço onde abastecemos combustível, o restaurante onde almoçamos, as idas ao cinema, tudo fica registado na nossa "pegada fiscal". A base de dados do fisco é assim a mais poderosa, contém mais informação do que a de qualquer órgão de polícia.

Exigir-se-ia pois que a informação de cada contribuinte fosse mantida confidencial. Ora os dirigentes das Finanças entenderam que havia que proteger os cidadãos, mas apenas os de uma lista VIP: os políticos, e em particular Passos Coelho, cuja ficha foi consultada por 106 coscuvilheiros fiscais. Esta lista foi elaborada pelos serviços de informática sem que ninguém assuma a sua paternidade e sem que se perceba porque se não protegem os contribuintes todos, mas só alguns. Aparentemente nem sequer consultaram a Comissão Nacional de Proteção de Dados. Esta, que anda adormecida, tem pois de apurar quem deu tão bizarra ordem aos serviços e com que caderno de encargos. Deve ainda averiguar qual o papel de dirigentes e governantes neste processo e puni-los. E tomar medidas para que cada um de nós, VIP ou não, tenha direito à privacidade fiscal.

IN "CORREIO DA MANHÃ"
28/03/15

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