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Presidente do IRN
sobre comissõesnos vistos gold:
“Agora há que arrebanhar por todo o lado”
sobre comissõesnos vistos gold:
“Agora há que arrebanhar por todo o lado”
Escutas mostram que António Figueiredo sugeriu a empresário chinês que director do SEF deveria receber “um bocadinho daqueles cinco mil” para ficar “contente”
De
Novembro de 2013 a Novembro de 2014, os investigadores ouviram as
conversas telefónicas de António Figueiredo, então presidente do
Instituto dos Registos e Notariado (IRN), de Manuel Jarmela Palos, então
director do SEF, e de empresários chineses que viriam a ser detidos por
suspeita de terem alegadamente montado uma rede de corrupção em torno
dos vistos gold. Além de estarem sob escuta, todos eles foram vigiados
dias e dias, a ponto de o Ministério Público (MP) e a Polícia Judiciária
(PJ) saberem em que carros seguiam viagem, quem jantava ou almoçava com
quem e até, com grande pormenor, o que era dito à mesa. Tudo isto está
descrito em detalhe num acórdão da Relação de Lisboa de resposta ao
recurso de um dos arguidos, e a que o i teve acesso. O acórdão contém
excertos das escutas telefónicas realizadas pela PJ aos arguidos.
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No topo da rede alegadamente estava António Figueiredo, que não só
teria como missão facilitar o processo burocrático de obtenção dos
vistos através dos meios do IRN como exerceria influência junto de
decisores públicos. O suficiente para o MP o descrever como uma “espécie
de demiurgo entre o universo empresarial de Zhu [empresários chineses] e
parceiros e a realidade da administração pública”. Tudo isto em troca
de quê? De alegadas comissões como contrapartida pela facilitação dos
negócios. O MP não tem dúvidas de que era a isso que se referia quando,
em conversa telefónica com Zhu, comentou: “Agora há que arrebanhar por
todo o lado.”
Há ainda uma outra escuta telefónica em que Figueiredo refere a Zhu
Xaiaodong (um dos cidadãos chineses constituídos arguidos no processo)
que vai dar parte dos 5 mil euros de uma comissão ao Manuel Palos para
que o director do SEF ficasse satisfeito. “Daqueles... depois daqueles
cinco mil? Eu dou-lhe um bocadinho, qualquer coisa para ele ficar
contente, tá a ver?” Zhu consentiu: “Sim, sim. Aquele, esse, já se
acabou. Nós pagamos, tá bem?”
E outras duas conversas que, cruzadas, mostram que no dia em que
Zhu se refere a uma comissão de 5 mil euros por causa da compra de uma
casa, via Remax, Figueiredo conta à mulher já ter arrecadado mais 5 mil
euros com a venda de uma casota.
A tese, trazida para o interrogatório por Palos e Figueiredo, de
que estariam a falar de “comissões de vendas de vinhos” não convenceu os
investigadores. “Sessões estas que, fora de um contexto delirante,
dificilmente se podem associar a ‘comissões de vendas de vinhos’, como é
pretensão das defesas [...] forçando, para lá do razoável e da
polissemia verbal o sentido das palavras usadas pelos interceptados.”
Para continuar a levar o seu plano avante, sustenta a investigação,
Figueiredo gabar-se-ia constantemente das suas capacidades para mover
influências. Numa conversa com Zhu observou que a rapidez e agilidade
com que conseguia que os vistos fossem aprovados eram “coisas” que não
caíam “do céu”. Noutra aprontou-se a falar com Manuel Palos, director do
SEF, para fazer “um bocadinho de pressão”, de modo a desbloquear a
retenção de uma cidadã chinesa em Amesterdão.
As capacidades de “fazer acontecer” de Figueiredo chegaram a ser
comentadas por Zhu perante terceiros. Em conversa com um concidadão
chinês, Zhu contou como conseguiu obter, em apenas dois dias, os
“cartões” do SEF. “Só eles conseguem isso”, disse, realçando a
importância de Figueiredo “abrir a boca” e fazendo menção a uma “senhora
velha” no atendimento do SEF, que teria ficado espantada por mal ter
recebido os impressos já estar a receber os documentos finais no dia
seguinte. Houve ainda quem comentasse que os pedidos que vinham de
Isabel, que fazia o secretariado de Manuel Palos, eram “hiper-rápidos”.
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PALOS - "HONRADO II" |
Em alegada retribuição pelas suas ajudas, Palos terá recebido de
Zhu duas garrafas de vinho, por altura do Natal, no valor total de 280
euros. Durante o interrogatório, alegou-se que eram garrafas de produção
caseira de António Figueiredo, mas uns recibos de compras na Makro
desmentiram essa versão. O ex--director do SEF não devolveu as garrafas,
ao que o obrigaria o seu código de ética, mas alegou que tinha obrigado
a devolver os envelopes com cem euros entregues por Zhu a cada uma das
suas secretárias. Esta versão, porém, não foi comprovada por Zhu, que
contou no interrogatório que os envelopes nunca lhe teriam chegado às
mãos.
De forma a envolver Manuel Palos “de forma mais intensa”, e com o
objectivo de angariar novos contactos para a alegada actividade privada
desenvolvida em parceria com Zhu, António Figueiredo terá encetado
diligências, em Fevereiro de 2014, junto da chefe de gabinete da
ministra da Justiça e de Palos. O objectivo era que dirigentes do IRN e
do SEFpudessem estar presentes na Feira de Imobiliário em Xangai, que
iria acontecer em Maio de 2014, com viagem custeada pela Associação dos
Profissionais e Empresas de Mediação Imobiliária em Portugal (APEMIP),
presidida por Luís Carvalho de Lima.
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Apesar dos esforços, Figueiredo não conseguiu convencer o gabinete
da ministra da Justiça da utilidade pública da participação do IRN
naquele evento. Em conversa telefónica, o presidente da APEMIP alegou
junto de Figueiredo que a decisão deveria ter sido tomada assim devido a
uma entrevista da ministra a propósito das comissões ganhas com os
vistos gold. Figueiredo sublinhou que quem ganhava essas comissões
elevadas eram as empresas chinesas que faziam a “ligação directa”. E
Luís respondeu: “Então eu não sei? Você sabe que eu sei [...] mas sabe,
não adianta falar muito no assunto, ó Figueiredo, que nós assim
espantamos a caça.”
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LIMA - "HONRADO III" |
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Fuga de informação As conversas ao telefone começam a mudar de tom
por volta de Março de 2014, altura em que a investigação suspeita que
houve uma fuga de informação que deu, pelo menos a alguns dos 11
arguidos, conhecimento de que estavam sob escuta. Mas o maior revés nos
planos da alegada rede em torno da concessão dos vistos gold surgiu
quando, em Junho de 2014, a “Sábado” noticiou que o esquema estava sob
investigação. Nesse dia, Palos ligou para Luís Gouveia, director
nacional adjunto do SEF, e comentaram as notícias. Luís diz achar que
“isto está podre é na parte dos espiões”. Palos contrapõe e diz: “Ou
então isto é uma forma de matar o processo, está a ver? Porque há aí
muita gente contra isto. [...] Nós já estávamos à espera disto, está a
ver? Porque já para aí há três semanas que o secretário de Estado [a
investigação pressupõe que estavam a falar do secretário de Estado da
Administração Interna, João Almeida] me tinha alertado para isso, que
iria sair uma notícia, tal, tal, tal. Porque isto anda para aí a ser
cozinhado há algum tempo, Luís, não é de agora.” Manuel Palos ainda
acrescenta: “Isto agora deixa toda a gente... isto é uma mancha sobre os
serviços secretos, pá.”
A notícia também levou a que um “Zé”, dono de hotéis no Algarve,
ligasse a Palos para lhe falar sobre “a história da corrupção”. O então
director do SEF tentou chutar para canto: “Isso nem sei o que é! Só li
as gordas, só li as gordas. [...] Aquilo é uma coisa muito genérica.” Zé
respondeu: “Mas o do IRN, tu já uma vez me tinhas dito que já tinhas
alertado o gajo.” Palos continuou a disfarçar: “Não é bem alertar, quer
dizer...” Zé insistiu: “Cuidado, cuidado, que ele acho que era sempre a
abrir, não era? Que tu uma vez me falaste nisso, não foi?” Palos, que já
saberia que estava sob escuta, mais uma vez não se alongou.
* Era pressuposto que no topo da Administração Pública estivessem pessoas honradas, a verdade é outra.
* Era pressuposto que no topo da Administração Pública estivessem pessoas honradas, a verdade é outra.
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