O desemprego,
o FMI e a Grécia
O Governo
português congratulou-se com os números do desemprego de 2014. A taxa
média anual ficou nos 13,9%. Segundo os responsáveis governamentais
nota-se que há uma recuperação, um sinal de que estamos no caminho
certo.
Nessa mesma semana, o FMI publicou um relatório em que
afirma que, se contarmos com os desencorajados (pessoas que desistiram
de procurar emprego, mas que estão disponíveis para trabalhar) e os que
trabalham a tempo parcial (pessoas que trabalham a meio tempo porque não
conseguem arranjar trabalho a tempo inteiro), a taxa passa,
aproximadamente, para os 20,5%. Lembra ainda que essa mesma taxa, em
2008, era de 9,5%. Mais, salienta que se não fosse a emigração em massa,
sobretudo desde 2011, estaríamos a falar de outros números. Eu ajudo:
de 2011 a 2013 saíram de Portugal cerca de 350.000 portugueses. Como é
fácil de perceber, estes nossos compatriotas são gente na força da vida,
cerca de 8% da população ativa.
Parece, aliás, que os dados da
emigração não preocupam ninguém no Governo, que é natural as pessoas
fugirem da sua "zona de conforto".
Façamos, por uma vez sem
exemplo, um esforço para não nos lembrarmos desses escorraçados - e um,
ainda maior, para não perder a cabeça com os responsáveis governamentais
por não nos falarem claramente destes factos. Ora, não contando com
eles, usando as projeções de crescimento económico do Governo e do FMI,
em 2019 conseguiremos atingir uns extraordinários 18% de desemprego e
subemprego reais. Ou, nas palavras do Governo, estamos no bom caminho.
Claro está que esta triunfal caminhada terá mais alguns problemas.
Prevê-se uma emigração ainda maior e um aumento do desemprego de longa
duração causado, entre outros aspetos, por o normal desajustamento dos
trabalhadores às novas exigências do mercado de trabalho.
Não é
necessário tentar explicar o que significa termos uma comunidade em que o
melhor horizonte que tem para os seus cidadãos é de ter daqui a cinco
anos um desemprego e subemprego real de cerca 18%, que viu, vê e verá
centenas de milhar de pessoas a saírem do país e que vê a pobreza
crescer dum modo brutal - uma em cada quatro crianças portuguesas é
pobre, há dois milhões de portugueses pobres e em 5 anos há mais 800.000
portugueses pobres. Basta apenas dizer que uma comunidade sem esperança
é uma comunidade à beira da morte.
Não estaria a ser justo se
afirmasse que o cenário que temos perante nós se deve unicamente à ação
deste Governo. Como também seria redutor dizer que todos os males por
que passamos se devem às presentes políticas europeias. Nem não fizemos,
como comunidade, o suficiente para estarmos a salvo dos terramotos que
aconteceram, nem os erros europeus na resposta à crise explicam todas as
nossas maleitas. Mas é absolutamente transparente que as respostas que
os decisores europeus - que os nossos governantes tão fervorosamente
abraçaram e continuam a defender com unhas e dentes - têm para os
problemas que atravessamos estão absurdamente erradas. Apetece
perguntar, como é possível alguém pensar que a única solução viável para
os nossos problemas é gerar agora e no futuro uma multidão gigante de
desempregados, emigrantes e pobres?
Não sei se a solução que o
novo governo grego pretende para tentar resolver os seus problemas é a
melhor. Sei que, qualquer que ela seja, tem de ser negociada e que tem
de ir muito para lá da relação entre a Grécia e a Europa: o problema
está longe de ser apenas grego, é da Europa como um todo, das soluções
encontradas e dos vários desenhos institucionais. Mas há dois aspetos
essenciais que os novos governantes gregos - de que, tenho a certeza,
vou discordar muito no futuro - trouxeram e que eram e são essenciais: o
declarar alto e em bom som que o caminho seguido vai destruir a sua
comunidade - e o resto das europeias e a própria ideia da União
Europeia, digo eu - e o de porem a discussão no único plano possível, o
da política.
Ou seja, o que há para discutir não é se há perdão da
dívida ou não, se o pagamento da dívida se deve subordinar ao
crescimento económico ou não, se as obrigações perpétuas são viáveis ou
não. A questão é: pode uma comunidade manter-se minimamente coesa com
taxas de desemprego como as que Portugal ou a Grécia têm (se os dados
oficiais portugueses dizem 13,9% e os reais estão estimados em mais de
20%, imagine-se os gregos que oficialmente têm 25% da população
desempregada...) e com os níveis de pobreza conhecidos? É a democracia
sustentável sem esperança num futuro melhor?
Varoufakis, o
ministro das finanças grego, durante a sua estadia na Alemanha, resumiu
bem o problema quando disse que ninguém como os alemães conhece melhor
os problemas que uma economia severamente deprimida, um povo humilhado e
a ausência de esperança pode provocar numa comunidade. É, de facto,
isso que está em causa, na Grécia e em grande parte da Europa.
Política, apenas política.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
08/02/15
.
Sem comentários:
Enviar um comentário