HOJE NO
"i"
Stalking
O lado negro da fama
Maria Botelho Moniz é perseguida e ameaçada há três anos. Entrou com um processo em tribunal mas o stalker ainda não foi identificado. "Sinto-me estupidamente conformada", conta ao i
O
“Curto Circuito” vive muito dos comentários feitos pelos
telespectadores em directo durante o programa da SIC Radical. As duplas
de apresentadores já se habituaram a ignorar alguns dos conteúdos menos
próprios que surgem nos ecrãs do estúdio, como ameaças, insultos ou
propostas sexuais. Havia no entanto um comentador assíduo que chamou a
atenção de Maria Botelho Moniz pelas mensagens repetitivas dirigidas só a
ela. Inicialmente não passavam de insultos como, por exemplo, “és feia”
ou “não tens talento”, mas depressa passaram a ameaças que se
estenderam também à família: “Uma vez publiquei uma fotografia com a
minha sobrinha e ele comentou a dizer que esta era a prova da pedofilia
que eu praticava, aliado ao facto de apresentar um programa para público
juvenil”, recorda.
.
As mensagens, conta, passaram a ser às dezenas. Maria sentiu-se cada
vez mais insegura e decidiu contactar a polícia. Entrou com um processo
no Ministério Público no final de 2012, mas até agora a investigação não
teve qualquer avanço, apesar de estar constantemente a actualizar o
dossiê com as novas investidas do perseguidor. A identidade do stalker
ainda é desconhecida, mas Maria Botelho Moniz desconfia tratar-se de um
homem pelo teor das mensagens.
Entre os vários estratagemas que arranjou para se aproximar da
apresentadora, um deles foi certeiro. Criou um perfil falso no Facebook,
de Conceição Lino, e adicionou vários amigos de Maria Botelho Moniz:
“Uma deles caiu na esparrela e deu-lhe o meu número de telefone.” A
partir daí acabou-se o sossego. “Chegou a ligar-me de três em três
minutos durante duas horas seguidas.” De cada vez que atendia, silêncio
absoluto: “E eu contei histórias, pus música, perguntava coisas, mas
nunca me respondeu.”
Sem perceber o que se estava a passar, a única explicação que Maria
obteve foi através de uma mensagem publicada nas redes sociais: o
assédio acontecia simplesmente “por gozo pessoal”. Actualmente o
contacto é mais esporádico e a apresentadora sente-se, nas suas
palavras, “estupidamente conformada”, por achar que nunca vai acontecer
nada ao homem que a persegue há três anos.
Nestes casos de stalking, as figuras mediáticas são alvos fáceis de
perseguições, conta a psicóloga Tânia Paias: “Como parte das suas vidas é
pública, o perseguidor começa a fantasiar possibilidades, acabando por
acreditar que faz parte dessa realidade.” O stalking é igualmente comum
entre ex-namorados, principalmente em situações em que um deles não
concorda com o fim da relação.
“Está provado que os perseguidores têm uma química cerebral
diferente”, explica a psicóloga. Dessa diferença faz parte a dificuldade
em aceitar uma rejeição. “É frequente no fim de um relacionamento haver
da parte de quem é rejeitado uma ou duas tentativas de reaproximação.”
Mas será também normal o afastamento, após o desinteresse da outra
parte. Os stalkers, contudo, são incapazes de aceitar a rejeição, conta
Tânia Paias. Além do descontrolo dos comportamentos, costumam ter também
em comum características como o pensamento ruminante – que leva a actos
repetitivos – e uma elevada auto-estima: “Um dos argumentos comuns a
quem persegue é achar que a pessoa está melhor na sua companhia.”
.
Ana Sousa, 29 anos, não está no grupo dos famosos nem das
ex-namoradas, mas isso não a impediu de viver uma perseguição durante
vários meses: “Comecei a receber chamadas com teor sexual de madrugada.
Depois passou a ligar-me a qualquer hora, podiam chegar às dezenas de
chamadas por dia.” O perseguidor, que até hoje permanece desconhecido,
dava a entender que estava observá-la em várias situações do dia-a-dia.
O culminar desta perseguição deu-se na manhã em que entrou no carro e
encontrou uma flor, a mesma que, por brincadeira, tinha arrancado e
deitado ao chão momentos antes. “Contactei a polícia, que me aconselhou a
marcar um encontro, para que ele fosse apanhado em flagrante.” O
perseguidor apercebeu-se do plano e não parou o carro no local
combinado. Apesar de não ter servido para desmascarar o stalker, o
episódio pôs fim a uma insistência que durou mais de dois meses.
Maria e Ana cometeram um dos erros mais comuns entre as vítimas.
“Nunca se deve responder às tentativas de contacto. A ausência de
resposta e o tempo tendem a apaziguar sentimentos”, explica Tânia Paias,
acrescentando que, na mente de um stalker, “qualquer resposta pode ser
interpretada como um sinal de aceitação”.
Desde Setembro do ano passado que o stalking é crime em Portugal.
PSD, CDS, PS e Bloco de Esquerda levaram a debate projectos-lei que
acabaram na criminalização da perseguição contínua, com penas que podem
chegar aos três anos de prisão. A criminalização, que até ao ano passado
só poderia ser punida se o agressor cometesse outro tipo de crime, como
a agressão, por exemplo, surge como consequência da ratificação da
Convenção de Istambul, em defesa da prevenção e do combate contra a
violência de género, que entrou em vigor em Agosto de 2014.
* Infelizmente não é ficção, António Manuel Ribeiro, vocalista dos UHF sofreu um assédio semelhante durante anos, nem sabemos se está resolvido, no caso dele foi uma stalker, afirmou-o no programa "Alta Definição" do Daniel Oliveira/SIC.
Estranha-se é a incapacidade de as autoridades, todas, resolverem este problema, quase conferindo uma moldura de impunidade a este enegúmenos.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário