06/02/2015

JÚLIA CARÉ

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Erros, rigor e afins

A necessidade de rigor e qualidade na Educação não tem nada a ver com esta prova , a PACC

Conhecidos os resultados da prova dos professores, a PACC, melhor do que esbracejar à volta dos erros ortográficos, dever-se-ia olhar para a escola que temos e pensar, face a um futuro de incertezas, que professores queremos, que saberes importam nesta era digital. Em relação à escrita, lance-se a questão: quem não comete erros? Quem não tem dúvidas sobre a colocação dos clíticos e a grafia dos conjuntivos? Graças a Deus, há dicionários, prontuários e sítios na rede electrónica para os colmatar! Mais importante será o conteúdo das ideias, a expressão do pensamento, a criatividade imaginativa, tudo sobre uma convicta postura cidadã … E, para além de um sólido conhecimento das matérias a ensinar, ser capaz de reflectir sobre as suas práticas e aprender, porque nunca se saberá o bastante sobre o que quer que seja… 
 
O exame ministerial a que foram sujeitos os jovens professores pode servir para levantar a questão sobre uma variedade de factores subjacentes à formação de professores, hoje vulnerabilizados pelo espectro do desemprego e da instabilidade profissional, sem vínculos contratuais, saltitando de escola em escola, sem tempo para criar laços, raízes que peguem fundo, como as árvores nobres em solos férteis. Porque o que está a dar é uma sociedade em mobilidade, para baixo, de preferência.

Assim, há um conjunto de aprendizagens formativas que lhes estão vedadas: falo da aprendizagem inter-geracional com os colegas mais velhos, exemplos com que construir posturas na docência, na profissão, na vida, valores, princípios, atitudes, referência ética, força motriz do brio em aprender a superar-se, a temperar o carácter e a personalidade no desafio da melhoria de si próprio, na vontade cidadã de participar, saberes partilhados indispensáveis à construção de qualquer padrão de identidade e memória, a alma das instituições. 

Como numa corrida de estafetas, vamos tentando alcançar, como agora soi dizer-se no jargão político educativo institucional, metas! Que já foram objectivos, e competências e que todos sabemos basearem-se em conteúdos programáticos, mas que no cômputo global do papel e missão da escola, significam educar e construir cidadania, feita de aprendizagens significativas, sentido de pertença a uma comunidade, a uma sociedade.

Confesso que tive curiosidade em ver a prova e fiquei preocupada com o tipo de perguntas, especialmente aquela do seleccionador de futebol, que não percebi… Vozes mais abalizadas respaldam este sentir que é comum a muitos, professores e não só, a quem tais questões colocam dificuldades ao nível da interpretação. Enfim destinar-se-ão a faculdades intelectuais de superior frequência e intensidade, que não são para qualquer um, lógicas das superiores fórmulas matemáticas ministeriais, cujos algoritmos aplicados ao último concurso de professores deram os resultados que todos sabemos. 

A necessidade de rigor e qualidade na Educação não tem nada a ver com esta prova e esta reflexão não comporta qualquer concordância com a sua realização, inútil e absurda. E se pretendemos rigor e qualidade, importa referir outros dados que também afectam o sistema educativo. E há números que nos devem fazer pensar. A redução do número de professores no sistema (mais 15 foram colocados na requalificação, quando fazem falta!); a dimensão dos cortes orçamentais; as supressões curriculares e disciplinares nos diversos anos de escolaridade; o aumento do número de alunos por turma; a negligência do Ensino Artístico; as restrições introduzidas na Educação Especial; os cortes nos apoios sociais à pobreza; etc.

 Ninguém duvida ser a mestria da Língua Portuguesa com algum rigor, condição desejável a qualquer professor, independentemente da área disciplinar ou nível de escolaridade onde leccione, desde a Educação Pré-Escolar. Cada professor português deve ser professor de Língua Portuguesa. Os professores são um pivot central na qualidade do sistema educativo. São os operacionais no terreno, os primeiros a dar o peito às balas na batalha da educação, da promoção do desenvolvimento da sociedade, junto das jovens gerações. Mas do seu perfil deve também fazer parte, para além da rigorosa competência científica, uma forte resistência física, psicológica e emocional, face às exigências sociais com que se debatem no dia-a-dia e uma consciente implicação cidadã na sociedade. Essas serão as provas que contam!

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
04/02/15


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