Mudem as políticas
de saúde, já!
É
inconcebível aquilo que se passa nos nossos hospitais e centros de
saúde. As recentes notícias têm a vantagem de colocar o tema em debate
público, mas a situação é antiga e inacreditável. Em Portugal, o setor
da saúde vive há muito tempo em estado de doença terminal, aqui e ali
avivado por pontuais melhorias que criam a ilusão de que tudo funciona
mais ou menos bem. Não funciona. Por isso, precisamos urgentemente de
políticas de saúde mais eficazes.
Comecemos pelas urgências
hospitalares. Em tempo de gripe sazonal, o sistema que trabalhava em
equilíbrio precário explodiu. As mortes à porta dos hospitais são
inaceitáveis, devendo merecer uma musculada tomada de posição política e
uma rápida resolução para inverter aquilo que todos reconhecem ser um
caos. Em vez disso, discutem-se a transferência de algumas competências
para os enfermeiros e a alteração do sistema de triagem, arremessando a
concretização das soluções para um tempo sem futuro para muitos de nós.
Como se isto não fosse já de si muito grave, acresce que as propostas
que circulam não são exequíveis.
Ao permitir que os enfermeiros
possam pedir exames complementares de diagnóstico na triagem das
urgências, o Ministério da Saúde resolve um problema e cria dois:
diminui os tempos de espera, mas cria um clima de incompatibilidades
entre médicos e enfermeiros que dificilmente concordarão com o
diagnóstico feito e, ao mesmo tempo, provoca uma grande confusão na
gestão dos exames solicitados. Será que o autor desta medida sabe quanto
tempo demora, numa qualquer urgência hospitalar, fazer um simples exame
ao sangue e será que se lembrou que para certos exames o paciente é
obrigado a deslocar-se a outras alas do edifício que o acolhe, fazendo
frequentemente isso com acentuada dor física? É que o gargalo não está
apenas na triagem, existe também à porta dos meios de diagnóstico, pelo
que mudar a fila de lugar nada resolve.
Outra das putativas
medidas avançadas foi a de repetir a triagem quando a espera for longa.
Isto significa que há consciência de que o tempo é uma variável crítica
para o agravamento do estado clínico do doente. Poder-se-ia aqui apontar
os custos que essa evolução da doença implica para o Serviço Nacional
de Saúde, mas tal exigiria pensar o problema numa perspetiva sistémica,
algo que inexiste em Portugal. Tudo isto seria anedótico, se não se
tratasse de vidas de pessoas, muitas delas sem qualquer poder para se
indignarem ou procurarem alternativas junto do setor privado.
Ontem,
o "Jornal de Notícias" titulava em manchete que um "hospital engana
doentes com falsas cirurgias". No desenvolvimento desta denúncia, o
presidente da Região Centro da Ordem dos Médicos reconhecia que o
hospital em causa fazia o "reagendamento sucessivo de cirurgias", não
constituindo esse um caso isolado. Esta prática significa manipular
estatísticas e, mais grave, enganar doentes. Ninguém faz nada perante
esta denúncia?
Por estes dias, o tema da saúde faz um permanente
agendamento, obrigando os responsáveis do setor a sucessivas tomadas de
posição. Convém, no entanto, perceber que estamos a falar de
ajustamentos e não de mudanças estruturais, essenciais à sobrevivência
do Serviço Nacional de Saúde. É claro que o calendário político é
desfavorável a reformas. Mas elas são vitais a este nível.
Aproveitando
o facto de o titular da pasta da Saúde ser um ministro com coragem para
enfrentar lóbis e resolver situações difíceis, o Governo deveria, neste
tempo, encarar a saúde como uma inequívoca prioridade, começando por
apresentar uma verdadeira reforma para as urgências hospitalares.
Perante a gravidade desta situação, não é aconselhável mandar um
secretário de Estado anunciar medidas avulsas, como se fez nos últimos
dias. É preciso assumir isto a um outro nível. Portugal não pode ser um
país que deixa morrer pessoas à porta dos hospitais, nem o respetivo
Governo pode ser autor ou cúmplice de medidas que trapaceiam
estatísticas. Estamos a falar da vida de cada um de nós e no direito que
todos temos a aceder a cuidados de saúde quando estamos doentes. O
Estado não tem garantido isso, apesar da voracidade fiscal com que nos
tem atacado. É o momento de dizer "basta!".
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
24/01/15
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24/01/15
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