ESTA SEMANA N0
"EXPRESSO"
"EXPRESSO"
Barca Velha e Pera Manca
alvo de falsificação
ASAE apreendeu 110 garrafas contrafeitas das duas marcas mais distintas de vinho nacional. Produtores estão "preocupados".
Encontrar uma garrafa de Barca Velha ou de Pera Manca - os vinhos nacionais mais caros do mercado - numa garrafeira no Martim Moniz não é coisa habitual. E, por não ser, o inspetor da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) que tropeçou numa das "marcas de topo" numa loja de vinhos na 'Chinatown' de Lisboa, encontrou aqui mais uma pista para a "Operação Premium".
A investigação, iniciada em finais de 2013, levou à apreensão de 110 garrafas falsificadas "de duas marcas de dois vinhos de excelência, no valor total de mais de 30 mil euros", esclarece a ASAE ao Expresso. Pelo menos oito pessoas foram constituídas arguidas por crime de fraude.
Tudo começou com uma denúncia, seguida da apreensão de garrafas falsas misturadas com as dos 'ícones' verdadeiros no freeshop do aeroporto de Lisboa. A partir daí, a autoridade que se dedica à fiscalização da fraude alimentar e económica procurou o circuito da distribuição e da falsificação de rótulos e garrafas, e descobriu outros postos de venda com exemplares contrafeitos. O "varrimento" a várias garrafeiras - das mais conhecidas, às menos conceituadas, em vários pontos do país - permitiu estabelecer "um circuito com uma origem comum".
.
Para já, confiscaram pouco mais de uma centena de exemplares, mas a ASAE estima que haja mais, sobretudo direcionadas para o circuito de exportação para o Brasil e Angola. Aliás, uma das denúncias veio de um consumidor brasileiro, que comprou um vinho de €400 pela internet e só se apercebeu de que fora enganado depois de o provar.
A importância da fatura
"Quem anda no métier sabe que quem comercializa de boa-fé este tipo de produto faz-se acompanhar de fatura", adverte o inspetor da ASAE, Domingos Antunes. Quem não a pede, arrisca-se a perceber que foi enganado só depois de provar. Por isso o conselho é simples: "Não comprem este tipo de vinhos sem uma fatura que acautele a sua proveniência."
A Sogrape, que detém a Casa Ferreirinha, mãe do duriense Barca Velha, também aponta para a necessidade deste tipo de garantia. Por ser tão escassa a produção destes vinhos (ver caixa) "é possível seguir cada garrafa", garante a relações públicas, Joana Pais, admitindo que, "como todas as marcas que têm prestígio e valor, também a Barca Velha representa um potencial de falsificação". Por isso, a empresa revela estar "preocupada" com o surgimento destes casos e não quer "ver a marca afetada". Esta inquietação levou-a a criar novos elementos distintivos, como o holograma no rótulo ou o relevo incrustado no vidro.
.
José Mateus Ginó, diretor comercial da Fundação Eugénio de Almeida, que produz o alentejano Pera Manca, admite "a ameaça" de falsificação: "É um problema que nos toca e nos preocupa." Mas, para já, mantém "uma posição de reserva", uma vez que diz saber "muito pouco sobre a eventual contrafação" e prefere aguardar pelos desenvolvimentos da investigação.
As duas casas têm colaborado com a ASAE na averiguação destas fraudes, asseguram ao Expresso. "A autoridade policial é a única a nível nacional a dominar esta área de investigação e deve continuar este caminho de proteção das marcas portuguesas para exportação e combater a concorrência desleal e a falsificação no mercado lusófono", sublinha o inspetor-geral Pedro Portugal Gaspar. Nesse sentido, estão também a "aprofundar a colaboração com as autoridades homólogas em Angola e no Brasil".
.
Apesar de só pouco mais de uma centena de garrafas falsas terem sido apreendidas, haverá mais em circulação. "Ninguém monta um negócio destes por meia dúzia de garrafas e o negócio fraudulento só compensa para vinhos muito caros e em quantidade", explica Domingos Antunes.
"O vinho não fala e aí está o cerne da questão, pois um não-conhecedor pode ser facilmente enganado", afirma o enólogo Jorge Serôdio. A ideia é corroborada pelo colega Jorge Alves, que caracteriza desta forma o que distingue um Barca Velha ou um Pera Manca reais dos outros néctares dos deuses nacionais: "São vinhos densos, maçudos, considerados tridimensionais porque têm um peso na boca que os distingue de todos os outros."
Mas muitos dos que adquirem estes vinhos são pessoas com poder de compra, que gostam de mostrar status, mas que "não os conhecem verdadeiramente", dizem os entendidos. Os dois enólogos lembram que na China têm sido relatados vários casos de contrafação de vinhos de exceção, sobretudo envolvendo um dos mais caros do mundo, o francês Château Lafite Rothschild, que custa mais de mil euros. Chegam a circular três vezes mais garrafas na China do que as produzidas na região de Bordéus.
* Preocupante a falsificação de vinhos, mas não é novidade, tão grave como instituições bancárias falsificadas.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário