28/11/2014

SÍLVIA MARTINS

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A montanha que pariu um rato

Enquanto cada um de nós não fizer dentro do pouco que podemos, o melhor que conseguirmos, de nada nos vale andar a pregar aos peixinhos e a rezar aos santinhos por um mundo melhor.

Enquanto dentro das portas de nossa casa não forem cultivados a boa moral e os bons costumes, em desuso no país, de nada nos vale pôr o nariz fora da porta e dizer que cheira mal.

Enquanto a ética e o rigor que exigimos aos outros não a exigirmos a nós próprios, todos os dias e em cada ação desempenhada, de nada vale, dizer que a dos outros não presta e que a sociedade anda mal.
Os políticos são corruptos, pois serão alguns, se não muitos. A justiça é lenta, pois será, quando o peso pesa e faz os pés arrastar.

E enquanto os juízes continuarem a ser ameaçados com armas junto às fotos dos filhos e os advogados tiverem mulheres que vêm para as redes sociais ou jantares da sociedade, cometer inconfidências dos processos do conjugue, de nada nos vale rogar por melhores sistemas, por melhores justiças.

Devo confessar que todo o aparato deste caso Sócrates, mais um, me deliciou com todos os seus contornos de telenovela, mas agora a seco, com algum tempo já para uma reflexão mais séria e cuidado, devo confessar que receio que esta seja só mais uma montanha a parir um rato.

Que o impacto mediático se esfume no ar e que este se torne um episódio semelhante aquele da missa da catequese da minha filha, em que depois de meia hora de sermão do padre, o abençoado senhor se tenha esquecido do mais importante: a conclusão, o fim, a moral da história.

Novelas aparte, toda esta hecatombe a que parece estar submetida nos últimos tempos a nata da sociedade portuguesa, onde se encontram sediadas algumas das figuras públicas mais influentes do país nos últimos tempos, faz-me lembrar aquela velha máxima que diz que: zangando-se as comadres, se descobrem as verdades.

Desfeitos alguns compadrios do mundo financeiro, não tardaram em “rolar cabeças”.
E nós, povinho, que aprendemos nós com isto?!

Muitos dirão, pois nada, que isso são outros mundos, outras rodagens, outras andanças. Outros dirão que o seu único lamento é que com tanta “luva”, nenhuma lhe tenha aquecido ainda as mãos. E outros tantos, mais sensatos, verão esta situação com verdadeira preocupação.

Com a queda da máscara destas figuras, concretiza-se todo um desencanto, todo um descrédito, cada vez mais generalizado, gravoso e agravado das figuras que lideram o país. Já não há bons exemplos na política. Os homens de negócios têm na sua palavra o seu lixo mais tóxico e o trabalhador honesto, continua na sombra, deixando as coisas importantes para trás, pois está até ao pescoço de coisas urgentes para fazer e resolver.

Há uns largos anos, lembro-me de ter discutido de forma acesa com o meu pai, quando ele me atirava em jeito de conclusão a seguinte afirmação: “não é a trabalhar que se ganha dinheiro”. É claro que eu, acabadinha de receber o meu primeiro ordenado, estava determinada a provar-lhe que ele não tinha razão… não! Que o valor, o mérito, a dedicação, acabam sempre por dar os seus frutos e que um dia, um dia, ainda lhe ia fazer ver que estava errado.

Trabalhei, horas a fio, feriados, fins de semana, aniversários, Páscoas, Natais. Tentei poupar, fui regrada, empenhada, estudei, trabalhei mais um pouco, paguei impostos, segurança social, deixei a minha filha doente na creche, ou com terceiros, para me puder empenhar mais e mais e mais. Passei noites em branco a moer preocupações laborais, fiz do meu trabalho o meu sangue, suor e lágrimas. Fiz de tudo um pouco, nunca disse que não a nada. Tentei ser sempre correta, honesta, regrada. Ainda assim, fiz questão de mostrar o meu valor, como faço, todos os dias, fazendo o melhor que consigo, com o melhor que posso… mas continuo à espera do dia em que lhe irei conseguir provar, que ele não tinha razão.

IN "AÇORIANO ORIENTAL"
28/11/14


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