13/11/2014

MIGUEL GUEDES

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Minha querida UCR!
. (Olá, PREC!)

Canelas, freguesia de Vila Nova de Gaia, 13 000 habitantes, contas graúdas. Tal como se contam a olho as cerca de 1000 pessoas levantadas pela manhã de domingo para um ensaio de motim popular à porta da paróquia, também nessa manhã se contou a velha história do olho por olho, dente por dente. 

Descontentes com a rotatividade (a rotatividade, sim, sempre a rotatividade...), imposta pela diocese do Porto ao impor a saída do pároco Roberto Sousa, invocaram a Lei de Talião sacada da profundidade das mais antigas leis da Babilónia, tentando impedir a realização da primeira missa do padre suplente Albino Reis de seu nome, nova aquisição imposta pelos fariseus da diocese da metrópole. Do descontentamento ao tumulto, do levantamento à agressão, a fúria só se liga ao redutor pela presença de uma força activa da GNR, destacamento especial para a protecção da homilia, do que é mais sagrado e do novo padre recém-chegado ao seu pequeno novo inferno. 

O movimento "Uma Comunidade Reage!" (UCR!), criado por cidadãos crentes e não crentes na rotatividade da fé, exclama toda a indignação por razões que só as relações de proximidade explicam. Afectos, portanto.

Poucos metros à frente, o singular coreto desenhado por Gustave Eiffel continuava belíssimo, de pedra e cal, com a sua saúde de ferro. Tal crime, tal pena, clama-se a plenos pulmões ao seu redor. Uma comunidade unida à hora da missa, 40 pessoas no interior e 1000 em exaltação do lado de fora. A bradar aos céus. E assim saiu Albino Reis de seu nome, padre, escoltado pela GNR até uma carrinha de segurança que o levou até parte incerta em nome de Deus e da fúria que a fé convoca. Convenhamos que não foi por falta de aviso: desde que a diocese do Porto ordenou, a 24 de Julho, a substituição do pároco de Canelas, a UCR! (olá, PREC!) já havia realizado várias acções de protesto e recolhido cerca de 6000 assinaturas para exigir que não levassem o que consideram como seu, o seu santo no altar, o seu padre Roberto. Tentando fechar o portão da igreja, usaram as chaves do culto e cuidaram do cofre até à chegada das forças policiais. Tivesse a GNR dado um ar da sua graça no Coliseu quando Pedro Abrunhosa, entre outros, se acorrentou ao edifício ou quando ocupantes como Regina Guimarães invadiram o Rivoli contra a fúria pop-chunga de La Féria e a cultura não seria a mesma na Área Metropolitana do Porto. A força do povo vs. força divina, já imagino o caso num tribunal de Polícia.

O desenho da fé move-se por caminhos misteriosos. O afastamento de um pároco, tantas vezes visto como um elemento agregador e quase de família, em nome da rotatividade dos números e, admito, de alguns princípios que posso considerar positivos, não pode ocorrer como uma fatalidade divina. Como se um padre fosse eleito, como se fosse a votos e sujeito a escrutínio em urna, como se de um cargo público da maior importância para o Estado de Direito se tratasse. Terá de haver excepções. E a excepção é a manutenção, não o inverso. Não há ciclos eleitorais numa diocese que afastem párocos do seu rebanho com esta crueldade. Se as pessoas não querem, por que tantos teimam em querer tanto contra as pessoas quando estão em causa questões afectivas, costumes e apego? Rotatividade na fé, pior ainda.

Quem vos escreve, querida UCR!, é um não crente, um vosso vizinho. Podem chamar-me agnóstico já que, como qualquer mortal, desconheço as respostas finais para dúvidas fundamentais. E não acredito; certo é que não terei a fé que vos une. Mas sei que a vossa luta não é contra o padre Albino Reis de seu nome. Ao que julgo saber ele não terá sido convocado para o purgatório da substituição pela sua livre e espontânea vontade, nem terá procurado invadir o vosso agora pequeno inferno. A vossa luta, querida UCR!, é semelhante à de tantas pessoas que ainda acreditam numa lógica de proximidade, aquela vida onde as pessoas se conhecem melhor olhos nos olhos e não olhando por cima do ombro dos outros. 

O tumulto interior que levantam é em tudo semelhante àquele que não suporta a perda ou o afastamento de entes queridos, tanto para o céu quando falecidos, como para o estrangeiro enquanto vivos. O vosso desassossego é-me completamente familiar. Mas livrai-nos do mal, sim? Confessem lá.

IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
11/11/14



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