22/11/2014

FERNANDA PALMA

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Jihad em casa

Os casos de violência doméstica encontram hoje um terreno social fértil, vazio de valores.

O agravamento dos crimes cometidos contra as mulheres cujo desfecho tem sido, com uma frequência preocupante, o homicídio alerta-nos para a reduzida eficácia do discurso de censura e da própria intervenção do Direito Penal. Mesmo com as prisões sobrelotadas, os casos de violência doméstica encontram hoje um terreno social fértil, vazio de valores e de objetivos.

É evidente que a transformação dos maus tratos em crime público, em 2000, teve uma enorme importância. Agora, a vítima não é obrigada a expor-se através de uma queixa que a pode tornar alvo de retaliações. O processo é instaurado desde que haja conhecimento do crime. Porém, as vítimas continuam a sofrer em silêncio durante anos na maioria dos casos.

Por outro lado, a autonomização e o alargamento do crime de violência doméstica, na Reforma de 2007, a todos os casos de namoro, união de facto e relação conjugal (mesmo que passada) conferem maior proteção às mulheres, que são as vítimas habituais desse crime. Mas essa proteção não assegura, por si só, o efeito de prevenção geral de futuros crimes.

Num outro plano, é muito importante desenvolver campanhas políticas e mediáticas que reforcem a censurabilidade da violência doméstica. No entanto, o discurso político e a utilização panfletária do Direito Penal não têm bastado para inverter a tendência de crescimento do crime. É necessário avaliar as medidas de política criminal e perceber por que falham.

Estarão a atuar no terreno as polícias de proximidade, com equipas bem preparadas e em número suficiente, que integrem psicólogos? Estarão a ser realizados estudos interdisciplinares sérios (envolvendo criminólogos, juristas, psicólogos e sociólogos) sobre as causas e a dimensão do fenómeno, comparando o caso português com o de outros países?

É preciso averiguar em que medida os divórcios, as disputas pela tutela dos filhos, o desemprego, a crise de valores e o puro machismo estão na origem destes crimes. Em muitos casos, os agentes colocam-se numa posição semelhante à dos terroristas de inspiração fundamentalista, em rutura total com o sistema de valores jurídicos: matam para depois se suicidarem.

Os agressores transmitem sinais de um problema de saúde mental, evidenciando uma espécie de doença autoimune. Para debelar tal doença não chegam doses massivas de futebol ou de ‘reality shows’. Numa sociedade destituída de respeito pela dignidade da pessoa e sem metas culturais visíveis, os travões à violência doméstica não podem ser eficazes.

Professora Catedrática de Direito Penal

IN "CORREIO DA MANHÃ"
09/11/14

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