Jihad em casa
Os casos de violência doméstica encontram hoje um terreno social fértil, vazio de valores.
O agravamento dos crimes cometidos contra as mulheres cujo desfecho
tem sido, com uma frequência preocupante, o homicídio alerta-nos para a
reduzida eficácia do discurso de censura e da própria intervenção do
Direito Penal. Mesmo com as prisões sobrelotadas, os casos de violência
doméstica encontram hoje um terreno social fértil, vazio de valores e de
objetivos.
É evidente que a transformação dos maus tratos em crime público, em
2000, teve uma enorme importância. Agora, a vítima não é obrigada a
expor-se através de uma queixa que a pode tornar alvo de retaliações. O
processo é instaurado desde que haja conhecimento do crime. Porém, as
vítimas continuam a sofrer em silêncio durante anos na maioria dos
casos.
Por outro lado, a autonomização e o alargamento do crime de violência
doméstica, na Reforma de 2007, a todos os casos de namoro, união de
facto e relação conjugal (mesmo que passada) conferem maior proteção às
mulheres, que são as vítimas habituais desse crime. Mas essa proteção
não assegura, por si só, o efeito de prevenção geral de futuros crimes.
Num outro plano, é muito importante desenvolver campanhas políticas e
mediáticas que reforcem a censurabilidade da violência doméstica. No
entanto, o discurso político e a utilização panfletária do Direito Penal
não têm bastado para inverter a tendência de crescimento do crime. É
necessário avaliar as medidas de política criminal e perceber por que
falham.
Estarão a atuar no terreno as polícias de proximidade, com equipas
bem preparadas e em número suficiente, que integrem psicólogos? Estarão a
ser realizados estudos interdisciplinares sérios (envolvendo
criminólogos, juristas, psicólogos e sociólogos) sobre as causas e a
dimensão do fenómeno, comparando o caso português com o de outros
países?
É preciso averiguar em que medida os divórcios, as disputas pela
tutela dos filhos, o desemprego, a crise de valores e o puro machismo
estão na origem destes crimes. Em muitos casos, os agentes colocam-se
numa posição semelhante à dos terroristas de inspiração fundamentalista,
em rutura total com o sistema de valores jurídicos: matam para depois
se suicidarem.
Os agressores transmitem sinais de um problema de saúde mental,
evidenciando uma espécie de doença autoimune. Para debelar tal doença
não chegam doses massivas de futebol ou de ‘reality shows’. Numa
sociedade destituída de respeito pela dignidade da pessoa e sem metas
culturais visíveis, os travões à violência doméstica não podem ser
eficazes.
Professora Catedrática de Direito Penal
IN "CORREIO DA MANHÃ"
09/11/14
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