26/10/2014

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ESTA SEMANA NO
"EXPRESSO"

Sexo depois dos 50 é importante? 

"Claro", dizem os especialistas Uma sentença judicial polémica em Portugal pôs esta semana meio país a discutir a importância do sexo após os 50 anos e a qualidade dos juízes que se sentam nos nossos tribunais. Fomos falar com sexólogos para saber o que pensam.

A cirurgia deixou-a incapaz de ter uma vida sexual normal. Pediu uma indemnização, o valor foi reduzido para metade, e agora voltou a ser reduzido, porque, segundo os juízes, entre outras coisas a senhora já tinha 50 anos quando foi operada, ou seja, "uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança". 

Afinal, o sexo depois dos 50 é menos importante ou a sentença é mesmo disparatada? Fomos ouvir especialistas.
Jorge Cardoso, psicólogo e sexólogo, afirma que estamos perante uma situação que não só revela falta de informação acerca da sexualidade humana, como representa uma "distorção do conhecimento sobre a sexualidade". Decisões como esta que os juízes tomaram assentam em "premissas falsas" e transformam a sexualidade em "apanágio de um determinado nicho etário, o da gente nova". 
Depois dos 50, a experiência sexual pode ser ainda mais gratificante
A ideia de que a partir de determinada idade "apagamo-nos da sexualidade" está, de acordo com o sexólogo, "desfasada da realidade". "A experiência sexual das pessoas com 50, 60 anos pode ser mais prazerosa do que a das pessoas mais novas, precisamente por ser mais demorada. É isso que faz com que seja mais gratificante para as mulheres, sobretudo se ao seu lado tiverem parceiros que ejaculem mais rápido.Com a idade, a ejaculação nos homens dá-se mais tarde, e o tempo de envolvimento sexual é, portanto, superior, permitindo à mulher atingir o orgasmo e os mesmos níveis de satisfação sexual que atingia no passado". De acordo com o sexólogo, ainda que a atividade sexual diminua com a idade, por razões que, no caso das mulheres, podem estar relacionadas com a menopausa, questões hormonais ou outras "circunstâncias de vida" - poder-se-á talvez "sentir mais confortável na relação e não haver uma necessidade tão grande de envolvimento sexual" - isso não significa que "se retire menos prazer" e que a experiência seja menos "gratificante".

A decisão é "lamentável, inapropriada e de um mau gosto atroz"

Para Marta Crawford, sexóloga, este acórdão é "insólito". "Estamos perante um parecer que, aparentemente, se baseia nessa ideia antiga de que as mulheres depois da menopausa perdem desejo, vontade e prazer na vida sexual". Mais uma vez, é evocada a "falta de informação dos juízes", que deveriam ter consultado um especialista antes de tomarem qualquer decisão no âmbito deste caso. "Sempre aprendi que quando não sei sobre determinado assunto, vou informar-me para poder ser justa". A sexóloga classifica a situação de "lamentável, inapropriada e de um mau gosto atroz". "A sexualidade não tem prazo de validade. Cientificamente sabe-se que a relação sexual é boa enquanto cada um assim o quiser. Aliás, a tendência é para que seja melhor com a idade, porque as pessoas têm mais disponibilidade, compreendem melhor o próprio corpo, e têm outras preocupações que não, por exemplo, a da gravidez, e isso é muito libertador". A sexualidade é, na sua opinião, "a energia mais íntima que temos", e nenhuma mulher deve ser privada disso.

O caso é aqui contado em detalhe:
O Supremo Tribunal Administrativo reduziu o valor da indemnização que deverá ser paga a uma doente que se submeteu, há 19 anos, a uma cirurgia que a deixou com lesões consideráveis, impedindo-a de ter uma vida sexual considerada normal. Um dos argumentos usados pelo tribunal para justificar a decisão foi o de que a doente "já tinha 50 anos e dois filhos", ou seja, "uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança".

Em Maio de 1995, a senhora submetia-se a uma intervenção cirúrgica, na Maternidade Alfredo da Costa, para tratar um problema ginecológico que lhe causava, com frequência, infeções e dores. Durante a cirurgia, foi-lhe danificado o nervo pudendo esquerdo, que controla a continência urinária e fecal. A senhora ficou, portanto, com problemas de "incontinência ou retenção urinária e fecal", segundo o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo. Mas não é tudo. Ficou também com dificuldades em sentar-se e andar, dores e mau-estar constante e "perda de sensibilidade e inchaço na zona vaginal", o que veio diminuir a sua atividade sexual. 
Tudo isso veio provocar-lhe, ainda segundo o acórdão, "um quadro depressivo grave", que se manifesta num "profundo desgosto e frustração", tendo sido inclusive ponderada a hipótese de suicídio. Na altura, a senhora, que é casada, alegava também danos patrimoniais, isto é, despesas médicas e despesas com a contratação de uma empregada, pois via-se incapaz de fazer as tarefas domésticas. 
O erro, que resultou numa "incapacidade permanente global de 73%", relativamente a danos não patrimoniais (segundo o acórdão) foi detetado quatro anos depois da cirurgia.
Em 2011, o Supremo Tribunal Administrativo decidiu atribuir-lhe uma indemnização de 172 mil euros, menos de metade do valor exigido pela queixosa. A Maternidade Alfredo da Costa recorreu da decisão. Na altura, alegou que as lesões assinaladas não tinham sido causadas pela cirurgia, mas pelos dois partos que tivera e por uma intervenção cirúrgica anterior. 

Agora, a indemnização foi reduzida para 111 mil euros. Os juízes alegam que o problema ginecológico é "antigo", anterior à intervenção cirúrgica, e que já antes a senhora tinha "dores insuportáveis e sintomas depressivos". Além disso, defendem também - e este é o argumento central, pela controvérsia que tem gerado - que a doente, à data da operação, "já tinha 50 anos e dois filhos", ou seja, "uma idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança". 

* Voltamos a esta notícia pelo nojo que nos causa a sentença dos juízes do Supremo Tribunal Administrativo.

** No ano em que entrou em vigor a Convenção de Istambul que versa sobre todas as formas de violência contra as mulheres, a justiça portuguesa fez jurisprudência talibã sobre o prazer feminino. (Excerto de artigo de opinião da deputada Isabel Moreira, editado no "Expresso" a 18/10/14.)

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