Henrique Neto terá sido ouvido esta quarta-feira, 10, na Comissão Parlamentar de Inquérito aos Programas de Aquisição de Equipamentos Militares que investiga as compras de armamento das últimas duas décadas. 

Na conversa com a VISÃO, o empresário da Marinha Grande, apontou as baterias aos governos portugueses dos últimos 20 anos, incluindo os do seu partido, e à ESCOM, que assessorou vários consórcios no fornecimento de equipamento militar ao Estado português, nomeadamente na conceção dos projetos de contrapartidas.

"A minha convicção é que a ESCOM assumiu perante os vendedores de equipamentos a responsabilidade de não haver contrapartidas", disse. "Tudo o resto foi coerente com isso. Ganharam os concursos [helicópteros, viaturas blindadas e submarinos] e receberam o dinheiro. Depois de ganharem não mexeram uma palha e andaram anos e anos nisso."

Segundo declarou, o fundador da Iberomoldes terá sido sondado a dada altura pela ESCOM, "diplomaticamente e de uma forma não muito direta", para entregar faturas de produtos que já tinham sido faturados a fim de as apresentar à comissão como contrapartidas já realizadas. "Sobre o valor dessas faturas, receberia 3 por cento. É claro que recusei".

Como empresário, Neto foi apanhado no turbilhão das contrapartidas relacionadas com as compras militares e que nunca se concretizaram. "Ficou a arder" com 100 mil euros e deixou de realizar negócios num valor superior a 20 milhões. À boleia das contrapartidas, o fundador da Iberomoldes, que já trabalhava na produção moldes e componentes para a indústria automóvel, sonhou dar o salto para a aeronáutica, entrando nos compósitos de fibra de carbono. Afinal, os fornecedores de armamento não cumpriram os contratos e o poder político não quis saber. Neto meteu o sonho na gaveta, perdeu tempo e dinheiro. E lamenta a oportunidade desperdiçada pelo País, quando aqui ao lado, "os espanhóis criaram uma das melhores indústrias de compósitos da Europa, tendo começado muito depois de nós e também com contrapartidas."

Neto aponta ainda o dedo ao poder político das últimas duas décadas, dizendo que o problema passou pelos governos de Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes, Sócrates e pelo atual. "Evoluiu sempre da mesma maneira, independentemente do partido no Governo". Segundo ele, não se trata de um problema do partido A ou B, mas de um problema do regime. "Há 19 anos que estes casos são tratados com uma indiferença que só pode ser considerada conivência. Não se mexeu uma palha e o Parlamento nunca quis encontrar a verdade."

Num recado às esquerdas, declara ainda que acentuar as eventuais culpas que Paulo Portas possa ter tido neste contexto não se justifica, "porque não foi só ele quem praticou atos de transparência duvidosa nas compras militares. Todos eles praticaram. Todos!".

Antigo deputado e secretário de Estado de Guterres, Henrique Neto quis ser ouvido pelo Parlamento no âmbito da comissão de inquérito. Mas, na semana passada, a maioria PSD-CDS o recusou-o. 

A VISÃO telefonou-lhe solicitando uma entrevista a propósito. Mas quando fomos falar com ele, já fora contactado pelo Parlamento. É que, depois de se "partir muita pedra" e das insistências do PS, PCP e Bloco, a maioria de direita acabou por ceder e a sua audição foi marcada para a passada quarta-feira, 10, já depois do fecho da nossa edição impressa, onde esta semana poderá ler o relato em discurso direto de alguém que se sentiu enganado e não gostou.