ESTA SEMANA NA
"SÁBADO"
Os tesouros escondidos do BES
Os tesouros escondidos do BES
A colecção de moedas, a mais importante do País, pode valer 25 milhões de euros e a de livros antigos 1 milhão
Ricardo Salgado não se espantou com o pedido do empresário para que o ajudasse a manter completa a sua colecção de mais de 13 mil moedas. Conhecia Carlos Marques da Costa há 40 anos, sabia da paixão dele pela numismática. Os dois encontravam-se em Portugal e até no Rio de Janeiro, para onde parte da família Espírito Santo se mudou depois da revolução de 74. Marques da Costa falava-lhe do andamento dos negócios – a Lusiteca, que fundou, e que criou, nos anos 70, os caramelos Penha e as pastilhas Gorila; e da colecção de numismática, que reunia moedas cunhadas em território português, até antes da fundação de Portugal – algumas muito raras.
.
Em 2008, por proposta de Ricardo Salgado, o BES adquiriu a colecção do
empresário, três anos antes de Marques da Costa morrer. E o Novo Banco
herdou-a a 3 de Agosto, por deliberação do Banco de Portugal. A colecção
BES Numismática está exposta numa sala de alta segurança, num dos pisos
subterrâneos da sede do banco, na Av. da Liberdade, pronta para ser
visitada, mas de portas fechadas (o Novo Banco não explica porquê).
Fontes contactadas pela SÁBADO estimam que valha mais de 25 milhões de
euros.
“Nunca tinha sido reunida uma colecção tão completa e em tão bom estado de conservação”, escreveu Marques da Costa no texto que assina no livro sobre a colecção, editado em 2008 pelo BES, e onde explica que, por isso, sentiu ser sua obrigação “tudo fazer para que [o conjunto] não se dispersasse”. Ao longo de 30 anos, reuniu peças cunhadas por mais de 40 Reis, Rainhas, governadores e regentes, também nas colónias.
“Nunca tinha sido reunida uma colecção tão completa e em tão bom estado de conservação”, escreveu Marques da Costa no texto que assina no livro sobre a colecção, editado em 2008 pelo BES, e onde explica que, por isso, sentiu ser sua obrigação “tudo fazer para que [o conjunto] não se dispersasse”. Ao longo de 30 anos, reuniu peças cunhadas por mais de 40 Reis, Rainhas, governadores e regentes, também nas colónias.
A moeda perdida na Suíça
Marques da Costa era um numismata conhecido. “Era muitas vezes o primeiro para quem os vendedores ligavam quando tinham novidades”, disse à SÁBADO um amigo. O empresário chegava a viajar de propósito para participar em leilões. Normalmente arrebatava as peças que queria, mas houve excepções: um dia não conseguiu uma moeda que o tinha feito ir à Suíça. “Era uma rara, cunhada por D. João V [Rei de Portugal entre 1707 e 1750]”, recordou à SÁBADO o mesmo amigo. O coleccionador entrou na sala confiante mas a licitação, que começara nos 5 mil francos suíços (cerca de 4 mil euros), não parara de subir – havia “um indivíduo muito mal vestido” que cobria sempre a oferta, e que acabou por ficar com a moeda quando a licitação atingiu os 100 mil francos (mais de 80 mil euros) – Marques da Costa desistiu. O coleccionador ficou tão chateado que o homem foi pedir-lhe desculpa. “Mas porque é que você deu tanto dinheiro por aquela moeda?”, perguntou-lhe o empresário. O rapaz, ainda ensonado, respondeu: “Eu não percebo nada de moedas. Sou só funcionário do consulado do Brasil em Genebra. Acordaram-me para vir aqui comprar esta moeda para o Banco do Brasil e disseram que não importava o preço.”
Entre as moedas raras da BES Numismática (a mais importante do País, dizem vários especialistas contactados pela SÁBADO) está uma peça de ouro com um diâmetro de 32 milímetros e peso de 14,32 gramas, cunhada por D. Pedro I, Rei do Brasil (1822-1831), para assinalar a sua coroação (à esquerda na foto).
E porque é que é rara? Porque o Rei não gostou de se ver com uma coroa de louros e mandou suspender a cunhagem. Deste lado do Atlântico, aconteceu o mesmo: D. Maria II (que subiu ao trono oficialmente em 1826, mas só governou a partir de 1834) não gostou de se ver numa moeda de 1833, que ficou conhecida como “Degolada” – na moeda, à direita na foto, vê-se a cabeça da Rainha, de perfil, com o pescoço cortado. A imagem trazia-lhe à memória as cabeças saídas da guilhotina na revolução francesa – descontinuou-a.
Marques da Costa era um numismata conhecido. “Era muitas vezes o primeiro para quem os vendedores ligavam quando tinham novidades”, disse à SÁBADO um amigo. O empresário chegava a viajar de propósito para participar em leilões. Normalmente arrebatava as peças que queria, mas houve excepções: um dia não conseguiu uma moeda que o tinha feito ir à Suíça. “Era uma rara, cunhada por D. João V [Rei de Portugal entre 1707 e 1750]”, recordou à SÁBADO o mesmo amigo. O coleccionador entrou na sala confiante mas a licitação, que começara nos 5 mil francos suíços (cerca de 4 mil euros), não parara de subir – havia “um indivíduo muito mal vestido” que cobria sempre a oferta, e que acabou por ficar com a moeda quando a licitação atingiu os 100 mil francos (mais de 80 mil euros) – Marques da Costa desistiu. O coleccionador ficou tão chateado que o homem foi pedir-lhe desculpa. “Mas porque é que você deu tanto dinheiro por aquela moeda?”, perguntou-lhe o empresário. O rapaz, ainda ensonado, respondeu: “Eu não percebo nada de moedas. Sou só funcionário do consulado do Brasil em Genebra. Acordaram-me para vir aqui comprar esta moeda para o Banco do Brasil e disseram que não importava o preço.”
Entre as moedas raras da BES Numismática (a mais importante do País, dizem vários especialistas contactados pela SÁBADO) está uma peça de ouro com um diâmetro de 32 milímetros e peso de 14,32 gramas, cunhada por D. Pedro I, Rei do Brasil (1822-1831), para assinalar a sua coroação (à esquerda na foto).
E porque é que é rara? Porque o Rei não gostou de se ver com uma coroa de louros e mandou suspender a cunhagem. Deste lado do Atlântico, aconteceu o mesmo: D. Maria II (que subiu ao trono oficialmente em 1826, mas só governou a partir de 1834) não gostou de se ver numa moeda de 1833, que ficou conhecida como “Degolada” – na moeda, à direita na foto, vê-se a cabeça da Rainha, de perfil, com o pescoço cortado. A imagem trazia-lhe à memória as cabeças saídas da guilhotina na revolução francesa – descontinuou-a.
No mesmo ano em que sugeriu ao BES que comprasse a colecção de
numismática, Salgado propôs resgatar uma biblioteca quinhentista. A
comissão executiva aprovou: o BES gastou 850 mil euros para que os 7 mil
livros que o catedrático José Pina Martins coleccionou ao longo da vida
não saíssem de Portugal.
A história também começa com um telefonema – de Adriano Moreira, na qualidade de presidente da Academia das Ciências de Lisboa, para Salgado. “A família queria vender a biblioteca, o professor já tinha 88 anos e estava doente. Trata-se de uma biblioteca excelente, muito rara, que é parte do património nacional. Como a academia não podia comprá-la, alertei o dr. Ricardo Salgado, pu-lo em contacto com a mulher do dr. Pina Martins”, recordou à SÁBADO. Salgado enviou um perito do banco ao apartamento que Pina Martins arrendara para instalar a sua biblioteca, na Rua Marquês de Fronteira.
Os livros (as estantes, alguns quadros, e outros objectos da colecção relacionados com as obras) chegaram ao segundo piso do edifício do BES na Rua do Comércio, em Setembro de 2008, em caixas – seis pessoas levaram semanas a desencaixotá-los e a arrumá-los, sempre de luvas. O inventário das obras só ficou terminado em Fevereiro de 2009.
.
Livros em cofre à prova de fogo
Agora, a biblioteca ocupa quatro salas e algum espaço num cofre à prova de fogo: há pelo menos dois livros que não estão nas estantes. Um deles – as obras de Horácio (publicadas por Aldo Manuzio, em Veneza, em 1501) – custou a Pina Martins 2.400 contos nos anos 70 (mais de 300 mil euros, a preços de hoje). Mais concretamente, custou-lhe 12 títulos da sua biblioteca: mandou leiloá-los para poder comprar este livro.
Mas há também um livro que acabou por regressar, por acaso, às mãos de Pina Martins, mais de 20 anos depois: a primeira edição comentada d’Os Lusíadas, de 1613, editada em Lisboa, que, em 1963, o professor cedeu a um livreiro-antiquário de São Francisco. Havia de descobri-la numa pequena livraria em Paris, em 1984 – ainda com os apontamentos feitos por si, a lápis.
Cerca de 100 investigadores já visitaram a biblioteca – um professor de Oxford esteve um mês a estudar as obras do poeta português Sá de Miranda – e há dois exemplares que têm anotações feitas por leitores da época.
A história também começa com um telefonema – de Adriano Moreira, na qualidade de presidente da Academia das Ciências de Lisboa, para Salgado. “A família queria vender a biblioteca, o professor já tinha 88 anos e estava doente. Trata-se de uma biblioteca excelente, muito rara, que é parte do património nacional. Como a academia não podia comprá-la, alertei o dr. Ricardo Salgado, pu-lo em contacto com a mulher do dr. Pina Martins”, recordou à SÁBADO. Salgado enviou um perito do banco ao apartamento que Pina Martins arrendara para instalar a sua biblioteca, na Rua Marquês de Fronteira.
Os livros (as estantes, alguns quadros, e outros objectos da colecção relacionados com as obras) chegaram ao segundo piso do edifício do BES na Rua do Comércio, em Setembro de 2008, em caixas – seis pessoas levaram semanas a desencaixotá-los e a arrumá-los, sempre de luvas. O inventário das obras só ficou terminado em Fevereiro de 2009.
.
Livros em cofre à prova de fogo
Agora, a biblioteca ocupa quatro salas e algum espaço num cofre à prova de fogo: há pelo menos dois livros que não estão nas estantes. Um deles – as obras de Horácio (publicadas por Aldo Manuzio, em Veneza, em 1501) – custou a Pina Martins 2.400 contos nos anos 70 (mais de 300 mil euros, a preços de hoje). Mais concretamente, custou-lhe 12 títulos da sua biblioteca: mandou leiloá-los para poder comprar este livro.
Mas há também um livro que acabou por regressar, por acaso, às mãos de Pina Martins, mais de 20 anos depois: a primeira edição comentada d’Os Lusíadas, de 1613, editada em Lisboa, que, em 1963, o professor cedeu a um livreiro-antiquário de São Francisco. Havia de descobri-la numa pequena livraria em Paris, em 1984 – ainda com os apontamentos feitos por si, a lápis.
Cerca de 100 investigadores já visitaram a biblioteca – um professor de Oxford esteve um mês a estudar as obras do poeta português Sá de Miranda – e há dois exemplares que têm anotações feitas por leitores da época.
.
Recuemos no tempo e a outro telefonema: em Junho de 2004, Alexandra Pinho (casada com Manuel Pinho, que havia de ser ministro da Economia de José Sócrates no ano seguinte) estava na feira de Arte contemporânea de Basileia, na Suíça, quando o telemóvel tocou – tinha luz verde para começar a BESart, uma colecção de fotografia contemporânea que ela criaria do zero, a convite de Ricardo Salgado.
.
Em 10 anos, a colecção não parou de crescer – hoje tem cerca de mil obras de mais de 280 artistas, de 38 nacionalidades. É a maior colecção de fotografia contemporânea portuguesa e é até uma referência mundial – este ano foi seleccionada como uma das 100 melhores colecções de arte empresariais do mundo (a única portuguesa), num estudo que analisou durante cinco anos os programas de arte corporativa de mais de 300 empresas.
Recuemos no tempo e a outro telefonema: em Junho de 2004, Alexandra Pinho (casada com Manuel Pinho, que havia de ser ministro da Economia de José Sócrates no ano seguinte) estava na feira de Arte contemporânea de Basileia, na Suíça, quando o telemóvel tocou – tinha luz verde para começar a BESart, uma colecção de fotografia contemporânea que ela criaria do zero, a convite de Ricardo Salgado.
.
Em 10 anos, a colecção não parou de crescer – hoje tem cerca de mil obras de mais de 280 artistas, de 38 nacionalidades. É a maior colecção de fotografia contemporânea portuguesa e é até uma referência mundial – este ano foi seleccionada como uma das 100 melhores colecções de arte empresariais do mundo (a única portuguesa), num estudo que analisou durante cinco anos os programas de arte corporativa de mais de 300 empresas.
Uma obra a cada dois dias
Entre 2010 e 2014, a BESart ganhou mais de 300 obras e 80 artistas. Mas o ritmo foi mais intenso nos primeiros anos da colecção – segundo o jornal Expresso o banco adquiria uma obra a cada dois dias. Até 2012, o BES gastava cerca de 1 milhão de euros por ano com novas aquisições. A dotação, de 3 milhões, era aprovada para três anos. A curadora, Alexandra Pinho, geria esse montante – escolhia os artistas e negociava os preços com os galeristas. Em 2008, o BESart garantia que o valor das obras que tinha adquirido já duplicara. Em 2010, Alexandra Pinho disse ao Expresso que algumas peças de Helena Almeida, por exemplo, já valiam mais 260% do que no momento em que tinham sido adquiridas. O Novo Banco não confirmou à SÁBADO estes valores.
.
Os critérios eram estes: os autores serem artistas contemporâneos, com entre 20 e 90 anos, e as obras posteriores ao ano 2000. Alexandra Pinho, que não quis falar à SÁBADO, explicou, em 2010, numa entrevista ao jornal Mundo Português, que considerava melhor “andar para a frente do que trabalhar sobre o passado”. E acrescentou: “Estamos no século XXI. Se tentássemos fazer uma colecção histórica nunca mais teríamos uma colecção contemporânea.” Havia ainda, explicou, aspectos práticos a justificarem a escolha: “Enquanto as obras recentes estão disponíveis, as mais antigas só em leilões e a preços muito superiores.”
.
A colecção arrancou com a compra de uma caixa de luz do artista canadiano Jeff Wall (à esquerda na foto), um auto-retrato da fotógrafa e realizadora norte-americana Cindy Sherman (à direita na foto), uma vista de Xangai do fotógrafo alemão Thomas Struth e uma biblioteca da fotógrafa alemã Candida Höfer.
.
O gabinete de comunicação do Novo Banco confirmou à SÁBADO que as colecções BES Numismática e BESart são activos da nova instituição e acrescentou que ambas são “compromissos que se mantêm inalterados e que estão a ser geridos normalmente como antes”. O banco não se pronunciou sobre a biblioteca.
Entre 2010 e 2014, a BESart ganhou mais de 300 obras e 80 artistas. Mas o ritmo foi mais intenso nos primeiros anos da colecção – segundo o jornal Expresso o banco adquiria uma obra a cada dois dias. Até 2012, o BES gastava cerca de 1 milhão de euros por ano com novas aquisições. A dotação, de 3 milhões, era aprovada para três anos. A curadora, Alexandra Pinho, geria esse montante – escolhia os artistas e negociava os preços com os galeristas. Em 2008, o BESart garantia que o valor das obras que tinha adquirido já duplicara. Em 2010, Alexandra Pinho disse ao Expresso que algumas peças de Helena Almeida, por exemplo, já valiam mais 260% do que no momento em que tinham sido adquiridas. O Novo Banco não confirmou à SÁBADO estes valores.
.
Os critérios eram estes: os autores serem artistas contemporâneos, com entre 20 e 90 anos, e as obras posteriores ao ano 2000. Alexandra Pinho, que não quis falar à SÁBADO, explicou, em 2010, numa entrevista ao jornal Mundo Português, que considerava melhor “andar para a frente do que trabalhar sobre o passado”. E acrescentou: “Estamos no século XXI. Se tentássemos fazer uma colecção histórica nunca mais teríamos uma colecção contemporânea.” Havia ainda, explicou, aspectos práticos a justificarem a escolha: “Enquanto as obras recentes estão disponíveis, as mais antigas só em leilões e a preços muito superiores.”
.
A colecção arrancou com a compra de uma caixa de luz do artista canadiano Jeff Wall (à esquerda na foto), um auto-retrato da fotógrafa e realizadora norte-americana Cindy Sherman (à direita na foto), uma vista de Xangai do fotógrafo alemão Thomas Struth e uma biblioteca da fotógrafa alemã Candida Höfer.
.
O gabinete de comunicação do Novo Banco confirmou à SÁBADO que as colecções BES Numismática e BESart são activos da nova instituição e acrescentou que ambas são “compromissos que se mantêm inalterados e que estão a ser geridos normalmente como antes”. O banco não se pronunciou sobre a biblioteca.
* Espantoso, sugerimos uma visita que indubitavelmente vamos fazer logo que nos permitam.
.
Sem comentários:
Enviar um comentário