HOJE NO
"DIÁRIO ECONÓMICO"
"DIÁRIO ECONÓMICO"
Suecos decepcionados com
sistema de educação
Nenhum outro país europeu confiou uma
fatia tão grande da educação dos seus filhos a empresas privadas como a
Suécia. No entanto, à medida que o número de ‘friskola’ aumentava, a
confiança da Suécia nas escolas com fins lucrativos diminuía.
Na zona comercial de Nacka, no Sul de Estocolmo, há um
centro comercial que em vez de lojas tem escolas. Na aparência, a
Kunskapsgalleria, ou “galeria do conhecimento”, é igual a muitos outros
espaços retalhistas com café, restaurante e um átrio amplo e luminoso,
visível dos cinco andares. Mas aqui não se vendem produtos, transmite-se
conhecimento.
Para os arquitectos da reforma do sistema de educação sueco, esta
relação entre ensino e negócio é o modelo ideal para as escolas
financiadas pelo Estado, mas com gestão autónoma e independente,
conhecidas como ‘friskola’. Vinte anos depois da arrojada experiência
que foi abrir a educação pública ao mercado, um quinto dos alunos, ou
cerca de 312 mil jovens, frequenta as ‘friskola’.
Destes, dois terços
estão inscritos em escolas geridas por empresas em vez de cooperativas
de ensino ou instituições de caridade, e quatro das 10 maiores
organizações educativas são apoiadas ou detidas por investidores em
‘private equity’.
Nenhum outro país europeu confiou uma fatia tão grande da educação
dos seus filhos a empresas privadas como a Suécia. Ao longo dos anos, o
sistema foi conquistando a admiração dos defensores do mercado livre um
pouco por todo o mundo, em particular Michael Gove, ex-Secretário da
Educação britânico, que em 2008 declarou que “o Reino Unido precisa de
um sistema de educação sueco”. Para os políticos interessados em
melhorar as escolas sem aumentar a carga fiscal, o modelo sueco parecia
ter tudo para funcionar: além de o leque de escolha ser maior para os
pais, as novas escolas ajudaram a aumentar os padrões de ensino e,
indirectamente, fizeram com que as outras escolas também introduzissem
melhorias.
Nos primeiros anos, as boas classificações pareciam corroborar a
teoria sueca em como a concorrência de mercado é a melhor forma de
melhorar os resultados, atraindo numerosas empresas para o mercado. No
entanto, à medida que o número de ‘friskola’ aumentava, a confiança da
Suécia nas escolas com fins lucrativos diminuía.
Os suecos sempre ocuparam os lugares cimeiros nos ‘rankings’ da
Educação, mas os mais recentes resultados do Pisa, o programa de
avaliação de alunos da OCDE, mostram uma queda significativa nos
domínios da leitura, matemática e ciência para um lugar muito abaixo da
média no caso das nações desenvolvidas. Os escândalos nas escolas
geridas por empresas, a somar aos maus resultados, chocaram a opinião
pública e colocaram o modelo com fins lucrativos – que também se estende
à assistência social e aos cuidados de saúde – no topo da agenda das
eleições legislativas de Outubro.
Jonas Sjöstedt, líder do Partido da Esquerda e potencial parceiro de
coligação num futuro governo de centro-esquerda, resume a decepção da
opinião pública: “Os suecos acreditavam que a desregulação era a solução
para tudo, da gestão dos caminhos-de-ferro à educação dos filhos, mas
isso acabou. Há partes da nossa vida que que o mercado não pode
preencher”. E aponta o dedo às organizações com fins lucrativos,
considerando-as responsáveis pela crise que se abateu sobre o país – a
que os suecos chamam “o choque de Pisa”. “Não estão nisto por gostarem
dos miúdos ou por estarem interessados na educação. Estão nisto porque
querem fazer dinheiro rapidamente.”
Cita vários exemplos de más práticas, que comprometeram a reputação
das organizações por trás das ‘friskola’, mas admite que “é mais
complicado” estabelecer uma ligação entre os maus resultados do Pisa e o
aumento do número de escolas privadas. “Não tem só a ver com maus
resultados. As escolas privadas prejudicam o sistema, porque as escolas
da rede municipal têm de adaptar-se a um sistema de mercado e muitas
vezes perdem os seus melhores alunos”.
Não é fácil arranjar números credíveis para comparar os resultados
das ‘friskola’ e das escolas da rede municipal. Segundo a “associação
das escolas livres”, a Friskolornas Riksförbund, os alunos terminam o
ensino primário com uma nota 10% acima da média nacional. A análise
realizada por Rebecca Allen, académica do Instituto de Educação
britânico, faz uma leitura diferente: os efeitos positivos das
‘friskola’ foram pouco significativos porque os benefícios se centraram
nas crianças de famílias com educação académica elevada.
Bertil Östberg, secretário de Estado das Escolas, reconhece que “a
livre escolha acentuou as diferenças entre as escolas” e aponta o dedo
aos políticos que introduziram as ‘friskola’, dizendo que foram
demasiado ingénuos por acreditarem que essas instituições seriam geridas
pelos pais e pelos professores. “Estas grandes empresas são, em muitos
casos, detidas por ‘venture capitalists’ e viram na educação uma forma
interessante de ganhar dinheiro.”
Um grupo de trabalho estuda a possibilidade de introduzir nova
legislação para impedir os grupos de ‘private equity’ de comprarem as
‘friskola’ por não terem interesse no seu êxito a longo prazo. “Para
melhorar o sistema de educação é preciso investir na formação dos
professores e reforçar as suas competências, e isso leva tempo. Por que
iria uma empresa de ‘private equity’ preocupar-se em melhorar os
resultados a longo prazo?”
* Uma boa notícia para as "inteligências" que lançam loas ao ensino privado.
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