O Novo BES e
a última Coca-Cola
no deserto
Para os restantes bancos, ir buscar clientes agora ao BES é o que, no futebol, se chama "transferência a custo zero"
Estávamos no final dos anos 20 quando a Coca-Cola
encomendou à agência Hora uma campanha publicitária para promover a
marca em Portugal. Já se sabe que o funcionário da agência, Fernando
Pessoa, fez o tal slogan “Primeiro estranha-se, depois entranha-se”. Nessa altura, o director de Saúde de Lisboa, Ricardo Jorge, censurou o slogan de
Pessoa e proibiu a venda do refrigerante. Primeiro porque se a
Coca-Cola tinha coca, como dizia o nome, seria um produto tóxico e
ilegal e, como tal, não podia ser comercializado. Segundo, argumentava
Ricardo Jorge, se não tinha coca, então anunciá-la no nome seria
publicidade enganosa.
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A marca comercial que o Banco de Portugal e a
administração de Vítor Bento escolheram para substituir o Banco
Espírito Santo também não passaria no crivo do director de Saúde de
Lisboa. Primeiro porque a marca BES passou a estar associada a um activo
tóxico. O bad bank que ficou com a designação de BES passou a
integrar todos os activos problemáticos do antigo banco, mas gera
confusão aos clientes do Novo Banco, que continua a comercializar
produtos com a designação BES. Aliás, até as maçanetas das portas das
agências continuam com a designação de BES, mesmo sabendo que essas
portas já não vão dar ao BES, que agora é o "banco mau", mas sim ao Novo
Banco.
Dizer que o antigo BES passou a ser um Novo Banco também é
publicidade enganosa. A nova administração deixou cair e bem uma marca,
o BES, que o próprio banco há cerca de um mês dizia estar avaliada em
640 milhões de euros. Uma marca na qual os portugueses confiavam. Os
casos de polícia e a má gestão da família Espírito Santo conseguiram
destruir em poucos dias aquilo que levou 150 anos a construir. A imagem
pela qual o Cristiano Ronaldo e a Dona Inércia deram a cara deixou de
estar no lado do balanço em que estão os activos e passou a ser um
passivo.
O que fica se tirarmos a marca BES ao Novo Banco? Nada,
além de uma carteira de crédito e de depósitos que, mais tarde ou mais
cedo, será vendida. E quanto mais cedo for vendida, melhor; caso
contrário, o Novo Banco arrisca-se a ver fugir ainda mais depósitos.
Basta ver que esta segunda-feira a Caixa Geral de Depósitos conseguiu,
sem fazer nada, aquilo que nunca antes tinha conseguido: 200 milhões de
euros de depósitos num único dia. Quem está a tirar dinheiro do antigo
BES já não tira porque tem medo de perder o dinheiro; provavelmente
apenas já não se identifica com uma espécie de marca branca a que alguém
resolveu chamar Novo Banco.
Este sistema de resolução que a
Europa inventou para salvar os bancos tem o grande mérito de não
envolver directamente dinheiro dos contribuintes, mas coloca os outros
bancos numa posição de algum conflito de interesses. Para os outros
bancos do sistema financeiro, que agora e temporariamente são os donos
do novo BES através do Fundo de Resolução, existe nesta altura uma
espécie de mixed feelings em relação ao Novo Banco. Por um
lado, interessa-lhes prolongar a agonia do Novo Banco e ganhar novos
clientes, sem grande esforço. É o que, em linguagem futebolística, se
chama "transferência a custo zero".
Aliás, não é de agora que a
banca está a tentar aproveitar as fragilidades do BES para engordar a
carteira de clientes. Não é inocente o timing, nem a mensagem, da campanha do BPI, que, depois de sete anos de ausência das televisões, regressou com o Perfect Day,
de Lou Reed, para passar a mensagem de um banco que alberga, debaixo de
uma árvore de 25 metros, aqueles que fogem de uma tempestade. O banco
de Fernando Ulrich está a fazer precisamente aquilo que o Santander
Totta fez quando a troika chegou a Portugal, e que tanto
irritou, na altura, os banqueiros portugueses: aproveitou o facto de ser
um banco meio espanhol e o corte de rating da banca portuguesa para “vender” uma imagem de segurança aos clientes com a campanha Solid as a rock.
Se,
por um lado, interessa à banca manter o Novo Banco numa situação de
limbo, também sabem que se o Novo Banco perder depósitos, está
automaticamente a perder valor. E se perde valor, quer dizer que será
mais difícil vendê-lo acima dos 4,9 mil milhões de euros que é o valor
que o Estado e os próprios bancos injectaram na nova instituição. Se
isso acontecer, é a própria banca que fica a perder. Achar que ir buscar
clientes ao Novo Banco pode ser a última Coca-Cola do deserto é uma
estratégia que pode vir a sair cara à banca.
IN "PÚBLICO"
08/08/14
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