.
O produto que o Facebook
tem testado somos nós
Os EUA têm regras para a investigação académica e chegou a hora de o Facebook as ler.
Há quem diga que o último escândalo do Facebook é muito
barulho por nada. Uma experiência psicológica ao longo de uma semana
envolvendo 690 mil utilizadores em 2012 sem consequências dignas de
registo nem efeitos relevantes pouca importância tem na escala de abusos
cometidos na área da investigação ao longo dos anos.
O Facebook
nunca escondeu que o seu ‘feed' de notícias é uma versão manipulada da
realidade. Como tal, não podemos falar de experiências sinistras, mas
sim de desenvolvimento de produto. A grande diferença está no facto de
sermos nós o produto que o Facebook tem vindo a testar. Talvez
devêssemos crescer e aceitar que é assim que o mundo funciona quando
usamos uma rede social financiada por publicidade que dispõe de
numerosos detalhes sobre a nossa vida, a dos nossos amigos e família.
A
maior parte das pessoas tinha vagamente conhecimento de duas questões
que entretanto se levantaram, embora nunca tenha reflectido seriamente
sobre elas. Primeiro, o Facebook entende que não é necessário pedir
autorização para levar a cabo as suas experiências. As condições de
utilização, isto é, o bloco compacto de texto que passamos rapidamente à
frente para clicar em "aceito" faz referência à utilização de dados
para "melhorar" o produto. Desde 2012, a expressão "pesquisa" passou a
estar incluída. Pois, é verdade.
O estudo entretanto publicado
alega que a empresa teve o "consentimento informado" dos seus
utilizadores, o que é gritantemente falso e vai contra as regras
deontológicas da investigação académica nos EUA. Edward Felten,
professor de ciências da computação em Princeton, descreve os seus
termos de utilização como "uma ficção legal de consentimento". Mais. O
Facebook está numa posição privilegiada não só em termos académicos mas
também comerciais. Muitas empresas desenvolvem estudos psicológicos,
caso da Unilever e da Procter & Gamble, mas recrutam pessoas para o
efeito.
A segunda questão remete para o imenso poder que o
Facebook tem sobre o comportamento dos seus utilizadores, em parte
devido à sua dimensão, conforme observa outro estudo conduzido pela sua
equipa de investigadores sobre a forma como a informação é disseminada
pelas redes de amigos: "A nossa amostra ronda os 253 milhões" de
utilizadores. Por outras palavras, o equivalente a quatro vezes a
população da França.
O algoritmo que controla o ‘feed' de
notícias é semelhante ao utilizado pelo Google nos resultados de
pesquisa: ambos listam o material por ordem de relevância. A diferença é
que o Google analisa material de toda a Internet, ao passo que o
Facebook centra a sua análise em dados pessoais. Aparentemente, Mark
Zuckerberg e acólitos estão convencidos de que aquilo que é bom para os
seus utilizadores - partilhar material com os amigos - também é bom para
a rede social, logo, tudo o que a empresa faça nesse sentido é benéfico
para todos.
Daí, talvez, o tom genuinamente admirado de Adam
Kramer, investigador e um dos responsáveis da rede social que conduziu o
controverso estudo de contágio emocional, quando redigiu um pediu
desculpas: "O objectivo de todas as nossas pesquisas é aprender a
melhorar o serviço. Não queríamos incomodar ninguém". Os EUA têm regras
para a investigação académica e chegou a hora de o Facebook as ler.
Escreve no Finantial Times
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
04/07/14
.
Sem comentários:
Enviar um comentário