Os perigos da simplificação
No momento em que escrevo estas linhas
está prestes a iniciar-se a apresentação do relatório produzido pela
Comissão para a Reforma do IRS, liderada pelo professor Rui Duarte
Morais.
Não tenho, por isso, informação sobre o teor global do
documento. Em todo o caso, e por aquilo que é antecipado pela imprensa,
simplificar é a palavra de ordem. Confesso que fico um pouco inquieto
quando oiço falar da simplificação como algo que, qual varinha de
condão, vai facilitar a vida do comum cidadão, tornando o seu dia a dia
mais ligeiro. Puro engano. O que o passado nos diz é que a simplificação
tem apenas contribuído para criar mais injustiças para os
contribuintes, quando o que devia realmente acontecer é que o mecanismo
de simplificação nunca deveria conduzir a uma maior assimetria fiscal.
A
chave para a justiça fiscal reside no engenho de encontrar a capacidade
contributiva dos cidadãos na sua realidade objetiva e isso só se
consegue personalizando o sistema, o que esteve na origem da criação do
imposto em 1989.
Veja-se o caso da anunciada reforma profunda
nas deduções do IRS. É de prever o pior. Se se aplicar a ‘flat tax'
neste imposto, o caminho é o de desviar da realidade concreta do sujeito
passivo. Tornar simples o que é complexo sim, mas com menos adesão à
realidade, não.
Simplificar é perigoso, mas não há reforma que
vingue se não se alterar o paradigma vigente de uma Autoridade
Tributária apenas ciosa dos seus direitos e negligenciando os direitos
dos contribuintes.
Sejamos claros: O Governo está decididamente
focado em ir buscar dinheiro aos contribuintes, criando, quase sempre,
em torno do cidadão uma espécie de tenaz fiscal.
Noutro domínio,
os ecos sobre a reforma da "fiscalidade verde" também já se fizeram
sentir e a tónica da simplificação também foi notória. Acontece, que
igualmente, aqui acaba por pagar o justo pelo pecador. As medidas
propostas na reforma da "fiscalidade verde" vão sobrecarregar mais uma
vez os portugueses com impostos esquecendo os verdadeiros causadores dos
problemas ambientais.
Acabam por ser os cidadãos que vão arcar
com estas situações e os poluidores, aqueles que ganham fortunas, não
respeitando o ambiente, nada lhes acontece. Em nome da justiça, devia
ser reposto o princípio sagrado de que quem polui é que deve pagar e não
quem sofre as consequências da poluição. Em qualquer imposto do sistema
fiscal português, a concetualização continua a ser ir buscar ao
cidadão, como se fosse neste processo um bolso sem fundo, onde se vai
buscar de forma incessante, mas não se pergunta se ele tem.
No
caso concreto do combustível a carga fiscal é diabólica. Os combustíveis
em Portugal já têm mais de 70 por cento de imposto e 20 por cento
apenas do valor do custo real.
Sobrecarregar mais os
combustíveis é, por este andar, condenar as pessoas a não terem
mobilidades, com as consequências trágicas que isso tem para o comércio e
a dinâmica económica.
Neste campo das reformas todo o cuidado é pouco. E nunca se pode dissociar o contribuinte da sua realidade concreta e objetiva.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
21/07/14
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