Dizer a coisa errada
Sabemos que o mundo se divide entre os que sabem dizer as palavras
certas em momentos difíceis e os que não têm jeito nenhum. Conhecemos os
intrometidos, os que dão conselhos, os que falam deles, os que passam
pior. Conhecemos os que insistem em dizer a verdade, os brutos e
insensíveis.
Mas se tivermos sorte, conhecemos também quem pergunta sinceramente
se é preciso alguma coisa e que está presente quando é. Não vale a pena
dizer a ninguém como pode ou deve passar por um momento de perda na sua
vida, porque realmente ninguém sabe como se faz, mesmo que tenha uma
vasta experiência no assunto. Não é possível evitar nem eliminar o
sofrimento, diria até que não é aconselhável, mas é possível tentar não
dizer disparates quando vemos que alguém está a sofrer. Se as palavras
custam, pergunte à pessoa que está de luto, por exemplo, se tem jantar.
Não lhe conte do seu tio que morreu há dias nem lhe diga que temos de
estar preparados para a morte.
Atracção pela arte
Na Universidade de Tübingen, na Alemanha, está exposta uma escultura
de mármore encarnado do escultor peruano Fernando de la Jana. Chama-se
Chacán-Pi. Desconheço o que significam estas palavras em quéchua. Em
inglês, dizem que se chama ‘Making Love’. A obra, que pesa 32 toneladas,
é um cubo com uma racha de curvaturas sugestivas no meio. Não é preciso
ser muito sofisticado para associar a fenda a uma vagina. Há dias, um
estudante meteu-se lá dentro e não conseguia sair. Foram precisos 20
bombeiros a fazer de parteiras para o rapaz não passar o resto da vida
dentro da dita cuja. O que terá passado pela cabeça deste estudante?
Imagino que terá sido uma brincadeira estúpida, uma tentativa de
impressionar os colegas com a façanha ou quem sabe se uma aposta. Mas
terá avaliado o valor simbólico da sua iniciativa? Penso que não. O que
me parece imperdoável é o rapaz não se ter apercebido da inflexibilidade
e da frieza do mármore. Que grande palerma.
Só rir
Um artigo na New York Magazine revelou três conclusões de um estudo
sobre o riso. A primeira é a de que quando estamos sozinhos nos rimos 30
vezes menos do que quando estamos acompanhados. Não me surpreende. Os
produtores das sitcom dos anos 50 perceberam que conseguiam fazer rir os
espectadores com o som de risos enlatados. Em teatro, as famosas e
paleolíticas claques também aplaudiam os patrões e riam das suas piadas,
contagiando os ingénuos. Outro axioma: 46% das pessoas riem das suas
próprias graçolas. Aqui discordo. Há cada vez menos pessoas com
confiança suficiente para deixarem o ouvinte decidir se têm graça ou
não. Os humoristas de salão tentam dar uma ajudinha, mesmo que seja com
um desesperado ‘estava a brincar’. Por último, afirmam que as mulheres
se riem 126% mais que os homens. É uma percentagem decepcionante, tendo
em conta que as mulheres adoram homens que as façam rir. Só 26% de risos
a mais provam a pouca graça que eles têm.
Um perfil
No momento em que escrevo sei que é de um milagre que a selecção
portuguesa precisa para passar à próxima fase do Mundial. Pouco antes de
Portugal empatar com os Estados Unidos, li um perfil de Emily Shire no
Daily Beast sobre Cristiano Ronaldo que destacava uma qualidade
surpreendente. Quando Ronaldo se deixou fotografar nu com a namorada
para a capa da Vogue, permitiu que fosse ele o humano objectificado em
vez da mulher. Ronaldo é por vezes acusado de ser efeminado por causa
das campanhas publicitárias em que participa de roupa interior, mas
talvez fosse interessante descobrirmos que Ronaldo não é o troglodita
habitual. Parece-me evidente que um homem nu na capa de uma revista de
moda feminina não é comparável a uma mulher nua numa revista parecida,
mas acho que para variar não faz mal. Fiquei a pensar se Ronaldo gosta
mesmo de mulheres de um modo que não é comum um futebolista
heterossexual gostar. Daquele modo saudável e companheiro.
Bolinha
Já lá vai o tempo em que só os homens gostavam e sabiam de futebol. É
comum vermos os estádios com mulheres a assistir e é frequente ouvirmos
conversas entre mulheres sobre os jogos, as equipas, o modo como
jogaram, etc. De início estranhei esta curiosidade, mas agora gosto de
ouvir mulheres a falar de futebol, infelizmente apenas uma na televisão
portuguesa, Cláudia Lopes, e gosto de saber que jogam o jogo. Tudo o que
seja para agitar os clubes do Bolinha é bem-vindo. As mulheres gostam
de futebol, mas será que o futebol gosta delas?, pergunta Byrony Gordon,
no Telegraph. A conclusão a que chega é que nem por isso. O futebol
aceita supermodelos para apresentar galas da FIFA e coisas do género,
mas não está interessado na participação feminina quando se trata de
comentar e analisar os jogos, uma actividade reservada a pessoas com
certas características anatómicas. Como se o futebol fosse o último
reduto masculino. Ah, não! Ainda temos o râguebi.
IN "SOL"
30/06/14
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