«Por uma lágrima tua»
Lágrimas de tristeza. Lágrimas de alegria. Lágrimas
de dor. Lágrimas de raiva. Lágrimas de crocodilo. Cada lágrima com o seu
complemento determinativo.
A gramática a mostrar que sabe das coisas antes da ciência. Eu explico: a fotógrafa Rose-Lynn Fisher publicou um livro
com imagens que mostravam lágrimas observadas ao microscópio, ampliadas
centenas ou milhares de vezes. Durante um período atribulado da sua
vida, conta, perguntou-se a si mesma como seriam as suas lágrimas
ampliadas. Não se fez de rogada e procedeu à experiência. Apanhou as
suas lágrimas, esperou que secassem e examinou-as ao microscópio. Os
resultados surpreenderam-na.
Os padrões formados pelas lágrimas eram diferentes,
consoante elas fossem de dor, de alegria, de tristeza, de raiva ou por
descascar cebola. A ciência explica que assim é porque o nosso corpo
liberta diferentes substâncias consoante aquilo que sente e que, por
isso, cada lágrima apresenta o seu padrão distinto de acordo com a
emoção sentida. A poesia há muito que o sabe. As artes têm destas
coisas. Intuem algo que vem a confirmar-se ser verdade objectiva e
firmada cientificamente anos mais tarde.
De qualquer das formas, não deixa de ser fascinante
pensar que cada lágrima que nos corre é diferente. As razões do seu
nascimento dão-lhe forma e estrutura. É como se um pedaço da nossa alma
se consubstanciasse. Mas claro, como qualquer objecto poético, aquilo
que está à vista não deixa de estar escondido. Apenas os mais curiosos,
os mais voluntariosos, os mais engenhosos, se lembram de observar mais
de perto as «microscopices» da alma.
Dir-me-ão que as emoções, bem como as lágrimas, não
são pertença da alma, mas do corpo. Aqui por alma quer dizer-se tudo
isso somado e mais alguns grãozinhos que eventualmente apareçam na
equação. No sentido prático, daria algum jeito haver forma de se
conseguir esmiuçar as lágrimas com que nos brindam, para perceber se
são de crocodilo. Parecendo que não, evitar-se-iam muitos equívocos.
Aí está uma ideia que venderia milhares de itens.
Construir uma geringonça que pudesse averiguar no momento se as lágrimas
são «verdadeiras» ou forçadas. Uma espécie de polígrafo lacrimal.
Uma curiosidade: como serão as lágrimas que os
actores choram, quando fazem uma cena? Se a personagem chora de
tristeza, serão as lágrimas choradas pelo actor de tristeza? Ou as
lágrimas não confundem a realidade com a ficção?
E as lágrimas derramadas por descascar cebola? Serão
elas vazias de significado? Na verdade, foram provocadas por
necessidade. Não se quer chorar, mas é-se obrigado devido à natureza
daquilo que nos está nas mãos. Um castigo que a cebola nos impõe por a
irmos cortar aos pedaços. Será que a tristeza da cebola ao sentir que
irá desaparecer passa para as nossas lágrimas?
Poderá ser que a tristeza não se mostre igual de
pessoa para pessoa. Se calhar, os padrões são pessoais e
intransmissíveis, como uma impressão digital. E com diferentes graus,
como as cores. Por exemplo, o roxo, que se divide em púrpura, lilás ou
cor-de-vinho, tal como a dor, que se divide em fraca, média, forte ou
muito forte.
E quando os sentimentos são mistos, como serão as
nossas lágrimas? Talvez a complexidade do que se sente, que não permite
distinguir a tristeza da alegria, tenha efeito nos padrões lacrimais.
Que desenhos não poderão surgir desses momentos agridoces! Porventura,
obras de arte. E se todos (mesmo os que, como eu, não têm qualquer
talento para desenhar), se puderem revelar um verdadeiro Picasso
através das suas lágrimas? Será, com certeza, um sonho bonito. Que não
anda longe da verdade.
São as nossas emoções que moldam e criam a arte, tal como moldam e criam as lágrimas. E, nos seus traços, nos revelam.
IN "NOTÍCIAS MAGAZINE"
25/05/14
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