A exuberância e
o egoísmo do capital
O nosso Governo, mais por fé burocrática do que por princípios
económicos, quer-nos convencer de que o ideal é conformar-nos com ser
pobrezinhos, e apoiarmos os capitalistas, para eles oferecerem por aí
uns empregos mal pagos mas honrados.
Daí o vice-primeiro ministro ter
aparecido há dias a distribuir com largueza por grandes empresas o
dinheiro espoliado aos contribuintes. Estas empresas nem precisam de se
capitalizar muito, com os apoios oficiais que recebem. Claro que o
vice-primeiro-ministro de hoje é o mesmo ministro da defesa que há anos
atirou borda fora o dinheiro dos contribuintes às pazadas, para a compra
polémica de uns submarinos que, mesmo sem as comissões ilegais que
estão a ser julgadas (mais noutros países, como a Alemanha de origem, do
que por cá), já seriam caríssimos. O dinheiro agora dado às empresas
foi considerado até escandaloso num editorial do conservador Jornal de
Negócios.
Vejamos agora o que sucede com o dito capital, segundo os
economistas que o estudam. O último grito, a fazer grande sucesso, é um
livro do economista francês Thomas Peketty, ‘Le Capital au XXI Siècle’.
Alguns escribas por cá querem-no apresentar como ‘marxista’, por sair do
tom generalizado liberal. Mas os académicos americanos de todas as
tendências estudam-no seriamente, mesmo nos casos de alguma contestação,
sem lhe darem esse epíteto.
O primeiro a falar cá do assunto foi Manuel Maria Carrilho, nos seus
artigos do DN. Mas ainda há dias João Constâncio (que eu penso ser um
jovem académico filho do ex-líder do PS e vice-governador do BCE Vítor
Constâncio), dedicou ao livro 2 entusiásticas páginas do Público.
O livro está agora a ser traduzido por todo o mundo (deverá sair cá
em Setembro), aparece na lista dos mais vendidos da Amazon, e tem
recebido os maiores encómios de economistas dos EUA como Stiglitz, R.
Sollow ou Paul Krugman (que, na sua coluna do NYT, o considerou o livro
da década).
Num resumo excessivo, Peketty vem comprovar que o capitalismo (e
integra na noção de capital todo o património) tende a expandir-se
especulativamente mais do que os PIBs do mundo (quem vive afinal acima
das possibilidades?), e concentra-se de maneira oposta à luta contra as
desigualdades. Mas demonstra-o com dados económicos e estatísticos.
Num momento em que a Europa atravessa a sua maior crise dos
pós-guerras, e em que o projecto de unidade europeia perdeu todo o élan,
esperar-se-ia que na campanha destas eleições europeias tivessem
surgido em debate temas como estes. Mas não dei por isso, fora os
artigos citados.
IN "SOL"
29/05/14
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