O que mais
me vem à memória...
É que um Presidente da República não
devia comentar assuntos tão importantes como o nosso futuro coletivo no
Facebook. Por mais que seja moderno é sobretudo anónimo. Resguardar-se
através de uma mensagem eletrónica não fica bem e não dá confiança. E
afinal é sobretudo confiança o que devíamos ser capazes de depositar num
Presidente da República, nos termos em que o nosso regime o consagra.
O
Presidente da República não deve escolher um meio de comunicação que
tem apenas um alcance parcelar para, em exclusivo, se pronunciar sobre
uma matéria de Estado. É presidente de todos os portugueses. Mesmo dos
que não gostam e dos que, como eu, não têm Facebook.
A fazer como o
fez obrigou-nos a tomar conhecimento da sua mensagem por via indireta,
já comentada e amplificada pelos meios de Comunicação Social e pelos tão
desprezados comentadores e analistas.
E sobre estes, convenhamos, o Presidente da República não pode ter qualquer espécie de estado de alma.
Fora
o meio usado, portanto, nada de novo. O Presidente da República assume
mais um movimento pendular, desta feita, pela positiva e dá a impressão
de estar contente e apaziguado com a situação do país. Durará até à
próxima viragem ou até ao próximo susto.
É que, na verdade, o que
mais me vem à memória são declarações oscilantes que facilmente poderia
elencar se quisesse voltar a rever os textos dos principais discursos ou
prefácios.
Com exceção do apelo ao consenso após a crise Portas,
nenhum rasgo firme foi da sua autoria. Firme só mesmo o "eu bem avisei"
sempre reativo.
E no entanto teria, se quisesse, muito a dizer.
Por
exemplo, chamar a atenção para o facto de que esta "saída limpa" não é
na verdade um de dois possíveis cenários. É apenas aquele que de momento
a Europa pode oferecer.
Não foi ponderado qualquer plano B porque, em minha opinião, simplesmente não existiu.
Nenhum
Estado-membro quer emprestar mais dinheiro (diretamente ou via linhas
bonificadas) e muito menos aprovar tal medida nos respetivos parlamentos
ou tribunais constitucionais. Sobretudo em plena reconfiguração do
Parlamento Europeu e, depois, da Comissão Europeia.
Por outro
lado, poderia também dizer que tal situação não é necessariamente má. A
Europa está a braços com uma possível crise de deflação, risco muito
temido e de muito má memória e o BCE já estuda a fundo medidas
cautelares que passam sempre pelo garante de liquidez aos mercados de
dívida soberana e até de ações.
Não esqueçamos que a taxa de inflação média europeia é de 0,5% contra os 2% recomendados.
Portanto,
se conseguirmos evitar o temido movimento deflacionista via uma atuação
assertiva do BCE, Portugal poderá tirar partido das boas condições de
mercado para continuar a sua trajetória de ajustamento, agora pela via
de um mais adequado apoio ao investimento das famílias e das empresas.
Mas
não chegará. Com uma dívida pública na ordem dos 120% do PIB e um
crescimento muito pequeno previsto para os próximos anos, será muito
difícil cumprir as nossas obrigações sem mais cortes no rendimento ou
mais aumento de carga fiscal.
Ora, nem um nem outro são mais
possíveis. O ajustamento externo que Portugal fez, passando de um défice
das famílias, empresas e Estado de cerca de 10%, para um superavit, não
só é muito difícil de manter (estima-se que as importações subam já em
2015) como impossível de melhorar. Só haverá uma solução. A de
renegociar a nossa dívida pelo menos em carência, maturidades e taxas.
Isto se não for verdade o que já se lê sobre a Grécia e que passa por um
perdão significativo da dívida oficial.
Tem de se assumir esta
luta e não fazer de conta que não é preciso porque podemos voltar a
pedir emprestado. Sem rede, mais caro e com os ombros vergados sob um
serviço de dívida asfixiante.
O que mais me vem à memória é
portanto isto. Uma saída tão pequena como o buraco de uma agulha que
exige frieza, coragem e verdade. Tudo demasiado importante para ser
traído por uma memória seletiva e imprópria.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
09/05/14
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