Fugir a boca para
a verdade
É dois mil e catorze, e se os blazers assertoados de botões dourados
ainda são capazes de excitar aspirantes a Lobos e Lobas de Wall Street à
portuguesa, amanhados a preços baixíssimos na Primark, então estamos
muito piores do que imaginava. Só era capaz de perdoar todos os
modelitos à Suits e Mad Men, se houvesse alguém na plateia do último
congresso do PSD a questionar-se sobre tudo aquilo que está implícito na
celebérrima frase do líder do grupo parlamentar do partido, Luís
Montenegro.
Embora seja muito mais tentador e divertido escrever sobre
o fraquíssimo e demasiado datado sentido estético dos sociais
democratas mesmo em alturas de congresso (certame mais importante que a
missa de domingo), prefiro escrever sobre a falta de gosto que
complementa, qual it bag, a ideologia actual do partido e citar uma das
frases mais inacreditáveis dos últimos tempos, no entanto ainda não
suficientemente viral: “A vida das pessoas não está melhor, mas a vida
do país está muito melhor”. Luís Montenegro, líder parlamentar do PSD.
O
meu pai ensinou-me a reflectir sobre o sentido das coisas, a pensar
naquilo que ouvimos e a questionar mesmo as fontes que temos como
inquestionáveis.
Ensinou-me a arranjar problemas, vá.
O país é feito de quê?
Porque
no caso da frase de Montenegro, há uma noção claríssima e de altíssimo
grau de abstracção relativamente à ideia de país, o que poderia ser
muito interessante, porque nada como a evolução do pensamento para me
deixar feliz, só que não, porque o país de Montenegro não se faz de
pessoas, certamente. É um país frio.
E por muito terrível que
isto possa parecer, esta era a frase por que todos esperávamos, a
assunção pública de que as pessoas, em Portugal, estão em último lugar
na ideia de país que se tem vindo a praticar. Só faltava a redundância, a
afirmação pública, a constatação do que já sabíamos.
É o chamado fugir a boca para a verdade.
No
entanto, há uma linearidade ideológica no seio do PSD, e isso é de
louvar, a concordância. Se já o nosso primeiro nos sugeriu a emigração e
insistimos ficar, se o país está péssimo e continuamos cá, a culpa é
inteiramente do povo que não concorda com o actual Governo, mas insiste
ficar. Porque o país não é para, nem das pessoas. O país é de quem manda
nele. E para esses, está muito bem.
11/03/14
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