Quem não aparece,
esquece
Como previamente
anunciaram, os principais opositores ao Governo não estiveram no
Congresso do PSD. E, no entanto, a esmagadora maioria dos mais ferozes
contestatários à atuação da equipa de Passos Coelho, os que têm sido
mais assertivos e certeiros nas críticas, podiam ter-se sentado na sala
reservada aos congressistas. Esses senhores e senhoras tinham a
possibilidade até de ter feito mais: podiam ter partilhado com os seus
companheiros, com aqueles com quem têm afinidades ideológicas, o seu
violento descontentamento face à forma como o País e o partido têm sido
conduzidos.
Refiro-me, bem entendido, a Manuela Ferreira Leite,
Pacheco Pereira, Rui Rio e outros. Gente filiada, com quotas em dia,
homens e mulheres que já travaram combates importantes com as pessoas
anónimas que ali estavam sentadas. Antigos deputados, antigos líderes da
bancada parlamentar, antigos secretários-gerais, personalidades
fundamentais na história do partido e mesmo antigos presidentes dos
sociais-democratas. E, já se sabe, nenhum deles abandonou a política
ativa. Longe disso. Emitem a sua opinião publicamente de forma periódica
em tudo o que é órgão de comunicação social - dispenso-me de explicar,
por não querer insultar a inteligência de ninguém, que quando algumas
dessas pessoas dizem que não estão na política ativa estão a gozar
connosco.
Para quê ir ao Congresso, sujeitarem-se a ser
assobiados, talvez insultados, quem sabe ameaçados, se podem
confortavelmente mandar as suas mensagens por trás duma câmara de
televisão, dum microfone de rádio ou das páginas dum jornal aos
militantes do PSD? Para quê a maçada, se eles já sabem que o partido
está dominado pelo aparelhismo, que há sindicatos de votos , que em
parte os grandes partidos se tornaram agências de emprego?
Poder-se-ia muito legitimamente perguntar qual a razão para que aqueles
senhores e senhoras continuem num partido que, pelos vistos, tanto
desprezam e que acham irreformável - convinha que tivessem a coragem de
perder eleições internas para poderem falar com propriedade e não
estarem constantemente a especular sobre algo não demonstrado. Mas não
parece que essa questão se levante ou seja sequer relevante. É aliás
fundamental que fiquem. Sem a diversidade de opiniões, tão
característica do PSD, o partido definharia muito rapidamente e perderia
uma das suas cruciais forças.
E o pior é que estou certo de que
não é por falta de coragem que os contestatários à linha oficial não
foram ao Congresso: é apenas porque julgam que não vale a pena. E, isso
sim, é muito grave. É contribuir fortemente para uma ainda maior
deterioração do PSD.
Se estas pessoas com acesso à comunicação
social, que já desempenharam os mais altos cargos no PSD e na sociedade,
acham que não se deve lutar por um partido melhor (segundo a sua
visão), porque é que um cidadão comum social-democrata e com vontade de
participar vai aderir ? E como reagirão os militantes que estão em total
desacordo com o caminho trilhado por esta direção quando aqueles com
quem concordam não comparecem no mais importante momento da vida duma
organização partidária e fogem? Desta forma, ainda mais escancaradas
estarão as portas para os que procuram a vida partidária como forma de
arranjar um emprego
ou o utilizam para indecentes tramoias e não como forma de participar
ativamente na comunidade e de defender princípios políticos em que
acreditam.
Se essas tão relevantes figuras acham, como muitas têm
referido, que está a subverter-se a ideologia da organização, a forma
como se construíram as ideias, se pensam que o património político está a
ser destruído ou mesmo que o PSD está a deixar de ser um partido
social-democrata, é olhos nos olhos e em frente aos representantes dos
militantes que o tinham de declarar. Era, sobretudo, lá, na reunião
magna, que o deviam ter dito ao líder do partido.
Deviam isso aos
militantes, deviam isso aos habituais votantes no PSD, deviam isso pelo
papel que desempenharam e pelo respeito que, obviamente, têm pela
história e memória do partido.
Sim, o PSD está a ser destruído nos
seus valores e princípios fundamentais. Sim, o Governo está a conseguir
destruir ainda mais o país e a salgar a terra, na feliz adaptação da
expressão do militante Pacheco Pereira. Mas conta com a inexcedível
colaboração de quem se recusa até a ir ao Congresso do partido, de que
se é figura cimeira, denunciar isso mesmo. De quem se recusa a ir a
jogo.
É assim que se perde autoridade.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
23/02/14
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