08/02/2014

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HOJE NO
"i"

Conversar sobre sexo com os pais. 
Oxalá fosse tão fácil como fazê-lo

Cegonhas, mães que não falam e pais que dão preservativos. O sexo é tema difícil e toda a gente o admite

A primeira vez, a rapariga e o que fazer. As perguntas alimentam-se de dúvidas e Tiago Santos precisava de respostas. O tema era sexo e esta é a palavra que nunca meteu ao barulho numa conversa com os pais. "Até pensei nisso, mas não muito", confessa, com uns 19 anos que são suficientes para "a oportunidade já ter passado". A vergonha "falou mais alto" e fê-lo seguir viagem. Afinal hoje há a internet e filmes a girar à volta do tema em qualquer ecrã de televisão ou cinema - "Ninfomaníaca", título do filme, actualmente em exibição, que Lars Von Trier dividiu em duas partes, diz tudo. "O sexo anda a ser muito exposto" e isso nota-se, defende o rapaz, hoje à beira de largar a adolescência mas ainda "sem lata" para conversar sobre sexo com os pais. 


Seja o preservativo e o pénis, a menstruação e a vagina sejam as doenças transmissíveis, uma conversa sobre sexo exige que o à-vontade esteja presente. Lá em casa, Beatriz nunca ouviu histórias da carochinha. O Pai Natal ou o coelhinho da Páscoa, por exemplo, tiveram poucas hipóteses de entrar nas suas fantasias infantis. Como tal, a cegonha que vem de Paris ou a sementinha que o papá põe na mamã também não. As meninas têm pipi e os meninos pilinha. Aprendeu isso em criança. E não foi preciso programar os momentos certos para mãe e filha terem conversas sobre sexo. Nem sequer engasgos ou silêncios. 

"A minha mãe e as minhas tias sempre foram muito descontraídas com esses assuntos do sexo", conta hoje a adolescente de 17 anos. Piadas parvas misturadas com risadas e servidas durante o jantar, conversas picantes no sofá da sala com a televisão ligada ou sessões de esclarecimento de dúvidas sem hora marcada. As "brincadeiras" são outra arma valiosa. "Elas surgem sempre, começa tudo por aí, tanto do nosso lado como dos pais", desabafou Tiago Rapaz, o único no trio de vozes masculinas que, por iniciativa própria, falou com os pais sobre sexo. "Lá em casa somos muito abertos e tranquilos, nunca houve problema", conta quem aos 19 anos tem um pai que lhe fornece preservativos "de vez em quando", pois "trabalha com uma empresa" que os comercializa. 


Os pais "são tranquilos" e não parecem ser os únicos na família. Até a sua avó "está sempre preocupada com isso" e de vez em quando pergunta "pelas meninas" quando já esgotou as questões sobre "a escola e o desporto". Tiago sorri e pouco desvenda. É como uma balança que oscila consoante o intervalo entre as gerações - quanto maior for a diferença de idades menor é a confiança para o sexo ser tema de conversa. Com os pais não recorda quando se estreou a falar de sexo, embora saiba que "foi uma coisa mais recente". As brincadeiras, explica, surgem quando "passa alguma coisa na televisão" e "aproveitam para abordar o tema". 

Mas os olhos não servem apenas para mirar um ecrã. "Quando era pequenina a minha mãe encheu-me de livros", recorda Beatriz. Enciclopédias, atlas com os países do mundo, contos de fadas ou fábulas com animais e, pelo meio, livros com ilustrações a explicar de onde vêm os bebés ou porque são as meninas diferentes dos meninos. Beatriz Santos sabe que não é sempre assim com outras famílias. Basta olhar para a amiga sentada ao lado dela. 

Joana não fez perguntas. A mãe também não puxou o assunto. Nunca houve debates sobre sexualidade. Não será bem assim, corrige logo a seguir a aluna do secundário: "Acho que a única conversa que tive com ela foi quando era miúda e ouvi aquela história da cegonha e mais tarde da sementinha que o pai põe na mãe e uns tempos depois desabrochou uma flor que sou eu." 

Um exemplo da fuga mais fácil que Bruno Inglês pede aos pais que evitem. "A última solução é chamar as coisas pelos nomes", resume o psicólogo, para assim "evitar as cegonhas e os bebés que vêm de Paris". Quando a pergunta é complicada ou inesperada, os pais não se podem refugiar na ficção, prosseguiu o sexólogo. "Devem ser precisos e ir ao encontro das perguntas", aponta, sem "perderem tempo em informações desnecessárias" nem "sentirem qualquer problema em adiar a resposta" - algo preferível às histórias de encantar sobre "abelhinhas". 

Foi isto que Joana recebeu da mãe. Tudo o resto diz que aprendeu sozinha. Mesmo quando teve a primeira menstruação: "Fiquei à toa. Pensei que estava doente e ia morrer." O drama só acabou depois de falar com as amigas da escola. Joana sente-se pouco à vontade para falar com a mãe. O problema não é o tema, diz a adolescente de Cascais. Mães há muitas e não são todas iguais: "A minha é muito reservada, tem a ver com feitio e com uma maneira de pensar que é diferente da minha geração." 


Há mais de 40 anos uma rapariga tinha de se "encher de coragem". Maria de Fátima Menezes fê-lo por volta dos "12 ou 13 anos" quando pediu à mãe que lhe respondesse às perguntas que tinha "na transição do período menstrual". Foi elucidada mas ambas ficaram "embaraçadas" com um momento que não se voltou a repetir. Hoje, com 60 anos e sem filhos, vê "muita libertinagem, depravação e descalabro" nos mais novos e diz que "os pais falam menos" com os filhos. "Ainda menos do que no meu tempo", conclui, pouco antes de sugerir que os pais "acompanhem sempre e directamente os filhos, a todos os níveis". 

Em casa de Joana nem houve conversas sobre sexualidade e, agora com 17 anos, até está convencida de que também nunca precisou disso: "Não vejo nenhuma necessidade de os pais falarem connosco sobre estas coisas." Qualquer dúvida que tenha, estão ali as amigas da mesma idade, a internet, a televisão e até uns panfletos que de vez em quando são distribuídos na escola. Ou médicos e enfermeiros que vão à sala de aula explicar coisas como pôr um preservativo num rapaz e os perigos do sexo sem cautelas. "A informação está em todo o lado e nem sequer preciso de procurar porque ela vem ter connosco", garante Joana. 

Já Gonçalo Santos, com 16 anos, só numa sala de aula teve alguém mais velho a falar-lhe sobre sexo. "Tive aulas de Educação Sexual no sétimo ou oitavo ano", conta, antes de lembrar a única coisa que reteve na sua mente: "Diziam-nos para termos cuidados e usarmos sempre um preservativo para evitarmos uma gravidez indesejada." Sobre doenças, nada, pelo menos na sua memória. De resto, tudo o que sabe veio dos amigos. Uma fonte de sabedoria onde Tiago Rapaz sublinha ser "mais fácil" sacar conhecimento. "Aprende-se mais falando com amigos ou gente mais velha", salienta. 

Isso chega? "Mas o que é que há de tão complicado para saber afinal?", pergunta Joana. É preciso cuidado para não engravidar e mais cuidado ainda para não apanhar doenças. As regras são simples, mas vamos lá falar de coisas complicadas. Se o que querem saber é o que é importante no sexo para estas raparigas, então Verónica Soares, que foi a última se juntar à conversa, resume tudo numa frase. "Não é com qualquer um!", avisa a aluna de 18 anos. Os tempos podem mudar, as gerações também, mas as raparigas continuam românticas como sempre: "Para se ter sexo é preciso estar apaixonada." 


Do outro lado, Tiago Santos considera que "as raparigas hoje em dia acham que o sexo não é tão preocupante como antigamente". A convicção das raparigas, contudo, serviu também de argumento lá em casa quando anunciaram que perderam a virgindade. Beatriz demorou cinco meses a contar à mãe. Teve medo que ela não gostasse do namorado e julgasse ainda que a filha não soubesse escolher um rapaz especial: "Quando finalmente arranjei coragem para falar, ela disse que já sabia." 

As mães são seres muito estranhos. Sabe-se lá como é que elas adivinham essas coisas: "Ela disse que eu fiquei diferente, apesar de eu não notar diferença nenhuma", conta Beatriz. E no caso da Joana o mistério ainda é maior. "Tentou esconder a primeira vez da mãe dela, mas ela acabou por descobrir: "Ainda hoje estou para saber como é que ela soube..." 

Manuela Brás, de 62 anos e com os seus dois filhos, também não soube de nada. "Com eles pouco ou nada falei", revelou, ao admitir que "nunca houve sequer perguntas" e só hoje, ocasionalmente, conversam sobre sexo. Acaba por ser um reflexo do que aconteceu com ela: "Tinha vergonha e, até por uma certa educação, não falava disto com os meus pais." A sua sorte foi ter uma irmã mais velha que a "informava", pois "nunca lhe passou pela cabeça nem tinha lata para falar com a sua mãe". Apesar de tudo, aconselha os pais vindouros a "falarem sempre de maneira natural, sem inventarem histórias e a ficarem sempre com a verdade". 

Bruno Inglês -Psicólogo
“Chamar as coisas pelos nomes e não esconder informação”
Porque é tão difícil pais e filhos falarem sobre sexo?
A vergonha e o embaraço são motivos mais que suficientes para bloquearem o assunto. Mas há outros. O facto de alguns pais acreditarem que se abordarem o tema estão a incentivar os filhos a iniciar a vida sexual é um deles. E alguns filhos também não falam com medo do que os pais pensarão. Outros pais acreditam que as crianças têm muitas fontes de informação, como a escola, os amigos e a internet. O mesmo pensam os filhos, que só pensam nos pais como último recurso.
Qual a melhor forma de os pais abordarem o tema? 

A curiosidade varia. O mais indicado é os pais estarem preparados para responder
a perguntas pontuais, que surgirão a conta-gotas e poderão até ser inconvenientes. Se a criança não mostrar interesse pelo assunto, os pais devem aproveitar o início da puberdade para abordar o tema de forma descontraída. 

Como? De forma precisa. Os pais não devem perder-se em informações desnecessárias e responder directamente, sem terem problema em adiar a resposta. Por exemplo: “O pai não sabe responder, mas vai tentar saber e mais logo responde-te.” A ideia é a informação vir a conta-gotas e chamar as coisas pelos nomes. 

Ou seja, nunca fugir ao assunto? Nas idades precoces é fundamental responder com precisão. À medida que a criança for crescendo, tentar não descolar a sexualidade das questões afectivas.

* A sexualidade precisa de verdade.


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