Sempre os seniores
A ideia de que reformados e pensionistas representam um segmento social
disponível para a poupança e, por isso mesmo, explorável para gastar não
é nova. Antes desta crise se instalar com armas e bagagens (sobretudo
armas, diga-se), bancos e seguradoras fartaram-se de vender os
chamados serviços para seniores (nova designação dada à terceira idade),
designadamente nos campos da saúde, da hospedagem e do lazer.
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Tanto na esfera pública como na privada, cresceram que nem
cogumelos instituições e empresas cujo foco era o de vender o que quer
que fosse para tornar a velhice mais saudável, mais aprazível e, numa
palavra, mais feliz.
Nesse tempo, que não vai assim tão longe, a
economia agradecia porque essas poupanças dos seniores eram libertadas
ajudando a criar riqueza e emprego.
Agora, em tempos de vacas
magras, em que não conseguimos pagar o que devemos e, pior, a economia
deixou de poder garantir a sustentabilidade dos sistemas sociais em que
assenta o nosso modelo de sociedade, eis que o Estado, também ele, se
volta para os reformados e pensionistas.
Porém, desta vez, não é
para tornar reprodutivas as poupanças dos seniores e colocá-las ao
serviço da economia e do bem-estar social.
Desta vez, trata-se de
confiscar essas poupanças para garantir a contenção da despesa do
Estado e que o défice não sobe acima dos 4 por cento do PIB. Ou seja:
parte das pensões e reformas, que eventualmente eram injetadas na
economia para felicidade coletiva, é pura e simplesmente subtraída a
esse antigo ciclo virtuoso do dinheiro porque o Estado deixa de pagar.
No
plano político, que é disso que se trata, tão importantes quanto as
medidas em si serão seguramente as razões e os argumentos que possam
sustentá-las. Só para dar um exemplo: certamente que todos gostaríamos
de ser elucidados quanto às razões que a Irlanda apresentou para sair do
seu plano de ajuda financeira e regressar aos mercados com um défice de
4,8 por cento, enquanto nós parecemos agrilhoados a uma previsão de
défice de 4 em vez de 4,2, sendo certo que são precisamente essas 2
décimas que vão provocar este suplemento de sacrifício entre os mais
velhos.
Em boa verdade, só parece existir uma ideia clara: a de que temos de nos livrar da troika, custe o custar.
Acontece
que uma ideia dessas carece de demonstração sobre os benefícios futuros
que possa albergar. E não chegam proclamações sobre a soberania
financeira recuperada a partir de maio. É preciso que essa soberania
possa vir a ser usada politicamente para o melhor bem possível
distribuído pela maior maioria possível de portugueses. Ora, nesta
perspetiva, tirar aos rendimentos disponíveis dos seniores não parece a
melhor ideia para a nossa economia.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
04/01/14
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