Uma voz clara contra
os embustes que circulam
Há quem diga por aí que a troika vai embora dentro de pouco tempo,
parece que em Maio. Claro que a afirmação não passa de uma tosca fraude
política.
Há quem diga por aí que a troika vai embora dentro de pouco tempo,
parece que em Maio. Claro que a afirmação não passa de uma tosca fraude
política. A tutela económico-financeira faz parte do todo ideológico com
que a Direita europeia (leia-se Alemanha) tende a estender os seus
tentáculos. Vai embora, estando, através dos meios, dos mecanismos e dos
sicários que vão mantendo a situação. Aliás, o próprio
primeiro-ministro já advertiu que as "dificuldades vão continuar" e que a
austeridade é um processo longo. As "incongruências problemáticas", a
frase imortal do jurista Pedro Lomba, constituem uma endemia nascida
dessa incompatibilidade total entre o espírito de missão e o
aventureirismo político, de que o próprio jurista Lomba é exemplo
liminar. A recente "remodelação" governamental, além de ser uma farsa
chilra, é a continuação do jardim-de-infância em que o poder se foi
transformando. A manifesta falta de experiência de vida, a ausência de
cultura democrática, a carência de leituras e o afastamento da reflexão
em favor do tró-la-ró, espelham-se nas próprias frases descosidas e
titubeantes dos escolhidos. Repete-se a evidência de que as "jotas" têm
sido um manancial de ociosos espevitados que vai "formar" o grosso dos
sucessivos governos.
O ano não promete nada de bom. E Paulo Portas, esfuziante de
injustificado regozijo, garante que estamos no melhor dos mundos,
amparando a aldrabice que Passos Coelho propaga, e a que,
inevitavelmente, será chamado a responder. Detesto escrever sobre o mal,
a arteirice, a incompetência e o oportunismo. Mas eles aí estão e são
as evidências do nosso infortúnio. Lamento é que a esmagadora maioria
dos preopinantes na Imprensa, nas rádios e nas televisões vivam de um
precaucionismo colaborante, que os encharca de nojo e de vilipêndio. As
técnicas de sedução pelo dinheiro e pelo favor têm resultado,
lamentavelmente. E é com desolação que assisto às quebras de compromisso
moral, com que jornalistas, comentadores e afins soçobram, a troco do
estipêndio ou de uma falaciosa por efémera "consideração" do poder.
Mas nem tudo está definitivamente perdido. De vez em quando lá
surge uma voz esparsa a contestar as mentiras com que esta gentalha
enreda o País. Ainda na quarta-feira, no programa Opinião Pública, da
SIC Notícias, o filósofo José Gil, reprovou, com serena veemência, o
Executivo e as políticas que têm levado o País ao descalabro. José Gil é
um dos mais respeitados intelectuais portugueses, indicado como um dos
maiores filósofos europeus e uma das pessoas que não se desvia das
responsabilidades inerentes à proeminência do seu estatuto. Ouviu, com
manifesta atenção, o que os teleouvintes diziam e, seguidamente, com
extrema clareza e um domínio absoluto do pensamento, esclarecia e
comentava as opiniões, não deixando nunca de as conectar com a realidade
presente. Um grande momento de televisão, sobretudo devido a um
intelectual que nunca foi atrás do canto das sereias. Pena é que José
Gil não seja mais vezes chamado a participar nos debates sobre o País.
José Gil resgata, com grandeza e extrema imperturbabilidade, o silêncio
onde a cultura portuguesa se tem resguardado, com cautela a cobardia. Há
semanas, na TVI, num programa de Paulo Magalhães, ele foi o desassombro
que desassossegou a mansa quietude dos conformados e resignados.
Ouvi-o, agora e de novo, com Marta Atalaya, na SIC Notícias, foi um
regalo de inteligência e de pedagogia. A antagonizar-se com os
peralvilhas habituais que nada dizem, mas dizem-no com a soberba de quem
sabe estar no púlpito. Gil arriscou a opinião e, ao fazê-lo, formou
opiniões, facto cada vez mais raro nos meios de comunicação portugueses.
Uma voz clara e firme contra os embustes e as omissões que por aí
circulam.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
10/01/14
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