09/10/2013

JOSÉ MANUEL MEIRIM

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O golfe é perigoso?


 1. No Japão e nos Estados Unidos, a prática do golfe tem originado muitos casos geradores de responsabilidade civil. Na maioria deles encontra-se em causa os danos provocados pela bola. O Tribunal da Relação de Lisboa teve a oportunidade, este ano, de conhecer uma situação em ambiente "golfista". Estamos perante um extenso texto, do qual destacamos o que respeita a um acidente.

2. Num campo de golfe, foi alugado um buggy para a deslocação no seu interior. À saída do buraco n.º 3, o condutor do buggy deu início à marcha, muito lentamente, havendo logo de seguida uma descida bastante íngreme, com curva acentuada e com colocação transversal de peças de madeira, formando aparentes degraus de travagem; que nesse dia, como em todos os outros, as madeiras encontravam-se húmidas e escorregadias, e sem a devida limpeza; o condutor iniciou a descida muito devagar, accionando desde logo o travão, só que, atenta a forte inclinação da descida, a acentuada curva, a humidade nas madeiras e a sua falta de limpeza, a fragilidade do veículo e o não funcionamento eficaz dos travões, não conseguiu manter o domínio do mesmo e rapidamente perdeu a direcção, deslizando pela descida sem controlo e virando-se, imobilizando-se no fundo da descida. Com o despiste, o autor da acção foi projectado para fora do buggy, tendo perdido o conhecimento; o autor sofreu vários danos corporais e foi submetido a intervenções cirúrgicas.
3. Afirma o tribunal que, de acordo com as regras do golfe, o buggy faz parte do equipamento desportivo. Estamos, pois, perante um acidente com intervenção de um veículo terrestre ocorrido durante a prática de uma actividade desportiva. Dito isto, enfrenta a primeira questão: a prática da actividade desportiva de golfe, em si, pode configurar-se como actividade perigosa? A resposta é negativa. É certo que o lançamento da bola de golfe pode atingir uma pessoa com gravidade, bem como pode atingir coisas e danificá-las. Trata-se, porém, de potenciais perigos, não envolvendo uma probabilidade maior de causar danos do que a que caracteriza quase todas as actividades do dia-a-dia. Ademais, o risco em causa apenas se prende com a circulação do buggy. Não se tratando de um desporto de velocidade, a questão está apenas em saber se a natureza do meio utilizado na prática do jogo - buggy - envolvia, nas circunstâncias apuradas, um risco especialmente agravado a demandar redobrada prudência. Ora, o manuseamento do buggy não se reveste de evidente dificuldade, nem a sua condução num campo de golfe exige especiais conhecimentos de condução, visando a utilização daquele veículo a mera comodidade dos praticantes daquele jogo.

4. Todavia, o tribunal prossegue e vem a decidir que sobre o "campo de golfe" recaía sobre o dever genérico de prevenção de perigo, de forma a garantir aos jogadores a necessária segurança, tomando para tanto as medidas de precaução adequadas. E aqui formula um juízo de culpa. Porém, o tribunal não se quedou, por aqui, no apuramento das responsabilidades. Com efeito, veio ainda a decidir que o condutor violou o direito à integridade física do autor. Ele era um jogador habitual de golfe, com larga experiência de condução de buggies e dos percursos a eles destinados e, no caso, revelou imprudência.

5. Em suma, quer o proprietário do clube do golfe (ao não barrar o acesso ao caminho de forma adequada) quer o condutor do buggy (fez este seguir por um caminho - descida - manifestamente sem condições para o efeito) praticaram factos ilícitos e culposos.

IN "PÚBLICO"
06/10/13

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