28/09/2013

SOFIA N. SILVA

.



Exigências materiais dos filhos:
 “Não, não compro!... Está bem, leva...”

É sexta-feira, Tânia vai buscar Mafalda (5 anos e 6 meses) à escola e vão as duas ao supermercado fazer as compras do mês lá para casa, como já vem sendo habitual.
Tânia: Então, querida correu bem o dia?
Mafalda: Sim! Vamos ao supermercado? Vais comprar aquelas gambas para comermos com a massa preta?
Tânia: Meu Deus, Mafalda! Tens tudo programado! Sim, querida. É o que fazemos sempre, não é?
Mafalda: Mãe, podemos ir ver se já chegaram mais bonecos da nova colecção dos Little Pet Shop?
Tânia: Podemos, mas sabes que mesmo que já tenham chegado…
Mafalda: O quê?
Tânia: Hoje não vamos trazer nenhum. É só de 15 em 15 dias, como combinámos.
Mafalda: Oh, mãe vá lá… Só hoje! Prometo!
Tânia: Querida, então? O combinado não era que a mãe te comprava um de 15 em 15 dias? E se pudesse? A semana passada comprámos um agora é só na próxima semana. Ok?
Mafalda: Sim…
Já no supermercado:
Tânia: Vá querida, vai pondo as cenouras aqui para o saco enquanto a mãe escolhe os tomates.
Mafalda: São quantas?
Tânia: Dez.
Mafalda: Já está! Podemos ir agora ver se há?
Tânia: Vamos! Mas já sabes não é?
Mafalda: Já chegaram! Não é tão querida a joaninha, mãe?
Tânia: É, querida. É um amor! É esse que queres levar para a semana?
Mafalda: Por favor, mãe. Só hoje!
Tânia: Mafalda, já falámos sobre isto.
Mafalda: Oh mãe, mas a mãe da Constança compra-lhe sempre um todas as semanas! Porque é que eu não posso?
Tânia: Porque a mãe e o pai não têm dinheiro para te dar um boneco todas as semanas e porque eu não acho que seja um bom hábito, e porque tenho a certeza que não é por isso que a Constança é mais feliz!
Mafalda: Mas pelo menos tem uma colecção maior que a minha! E vai acabar mais rápido!
Tânia: Tu também vais fazer a colecção toda. Só que mais devagarinho. Até acho que assim brincas mais com cada boneco.
Mesmo ao lado Tânia e Mafalda assistem a uma discussão entre uma mãe e um filho, de aproximadamente três anos de idade:
Mãe: António, já te disse que não vale apena pedires mais carros! Ainda ontem te comprei um!
António: Então quero um lego!
Mãe: Já te disse que não te compro mais nada!
António atira-se para o chão a chorar e a espernear enquanto grita:
António: Tu não gostas de mim! Eu quero! Ninguém gosta de mim!
Mãe: Pára com isso António! Está toda a gente a olhar para ti! Estou tão cansada!
A partir daqui, António ainda chorava e gritava mais alto captando todas as atenções. A mãe permanecia imóvel ao comportamento do filho e com um ar esgotado.
Mãe: … Está bem, leva…
António, levanta-se rapidamente e vai buscar o lego que queria. Com um leve sorriso na cara.
António: Obrigada, mãe! És a melhor mãe do mundo!
Tânia e Mafalda ficaram paradas, caladas e também imóveis enquanto António e a mãe se afastavam.
Tânia sentiu pena daquela mãe, que parecia muito cansada e sem capacidade para conseguir dizer que não ao filho que reagiu com descontrolo e chantagem emocional face à “ameaça” da mãe perante a sua ausência de tolerância à frustração.

Para os pais a questão da gestão dos pedidos dos filhos é um constante desafio! Sobretudo, nas últimas décadas em que a nossa sociedade passou a assumir o lema do consumo criando necessidades reais ou não para pais e filhos. A facilidade de acesso ao crédito fácil mergulha muitas famílias numa ilusão de que se pode ter tudo, levando-as a adoptarem estilos de vida e de consumo muito superiores às suas reais capacidades e necessidades.

Os pais devem gerir os pedidos dos filhos com muita contenção. Actualmente, vivem-se tempos de crise onde temos visto famílias que de um momento para o outro perdem os seus empregos. Outras, veem os seus rendimentos diminuídos ou sentem uma clara quebra no seu poder de compra. Este é um tempo difícil para todos. Por isso, é errado transmitir às crianças que é possível comprar tudo. Porque isso é uma ilusão.

É uma ilusão que depois elas transpõem para os outros planos da vida, além do consumismo. Como nas próprias relações com os outros, onde o "ter" passa a ter uma importância superior ao "ser". Que sentido tem para os nossos filhos crescerem habituados a utilizar bens materiais como intermediários ou como forma de afirmação na relação com os outros? Esta é uma questão fundamental que nos devemos colocar. Pelo menos temos a garantia que não terão tantas oportunidades de desenvolver as suas próprias capacidades de empatia e de afirmação social perante o grupo, e que mais tarde ou mais cedo sofrerão estas consequências.

É importante que as crianças cresçam com a noção da realidade e das dificuldades. Uma criança que acha que pode ter sempre tudo o que quer cresce sem limites e com um sentido de omnipotência. E quando não tem limites também desenvolve sentimentos de insegurança noutras situações, como aquelas que o dinheiro não compra. Cresce sem resistência à frustração.

A negação de alguns pedidos por parte dos pais além de permitir à criança confrontar-se com a realidade pode constituir boas oportunidades para aprender a lidar com a sua frustração. Como já dissemos anteriormente esta é uma importante função parental. Dar oportunidades para experimentar e vivenciar sentimentos de frustração vai ajudá-la a sentir-se mais segura e confiante para lidar com outros momentos de frustração que a vida inevitavelmente proporciona.

Há muitas famílias que sentem que quanto maior número de presentes ou pedidos satisfizerem às crianças melhor e mais forte se tornam as suas relações. Isto está longe de ser verdade, além de que constitui um enorme perigo no desenvolvimento das relações familiares.

Quando as crianças passam a olhar com expectativa para a visita dos avós, por exemplo, porque sabem que daí irá resultar o ganho de um presente ou algo material está a perder-se a essência do que deveria representar essa alegria ou expectativa. As próprias relações perdem parte da sua essência pois passam a depender de factores externos para lhe atribuírem significado.

É fundamental entendermos que mais do que termos a garantia de que os nossos filhos podem ter tudo importa que os ajudemos a crescer com um sentido da realidade, da partilha, da solidariedade nas relações o que passa essencialmente pela construção do ser, onde o ter não deverá assumir qualquer primazia. Este é mais um dos grandes desafios da parentalidade!

Mas como as crianças fazem essencialmente aquilo que vêem fazer mais do que o que ouvem dizer, os pais devem eles próprios reflectir sobre a forma como gerem os seus desejos e vontade de consumo.

As crianças têm que aprender a dar valor às coisas que têm e recebem. Não ceder no imediato aos pedidos permite-lhes desenvolver a capacidade para aguardar receber determinado presente, esforçarem-se para ter determinada coisa, que o seu bom comportamento pode representar maior valorização por parte dos pais sem que tenha que implicar receber algo.

Os pais podem sentir que já dedicam pouco tempo aos filhos no dia-a-dia e que todo o tempo que lhes resta é para passarem em ambiente de calma e tranquilidade cedendo aos muitos pedidos que lhes fazem e evitarem assim momentos que possam ameaçar todo este clima que desejam manter. No entanto, como já dissemos saber dizer não faz parte de uma educação que se quer equilibrada e responsável. Além de ser um grande acto de amor por todas as boas consequências que se reflectirão ao longo do crescimento dos filhos!

 Psicóloga clínica e terapeuta familiar.

IN "PÚBLICO"
26/09/13

.

Sem comentários: