Tens aí um carregador Nokia?
O meu primeiro telemóvel, comprado em 98, foi um magnífico Nokia 6210.
Rendido a um soft-ware amigável e intuitivo, fui fiel durante dez anos à
marca finlandesa, até que lhe pus os cornos com um Huawei Android, da
TMN, estreando-me no mundo das aplicações e ecrãs táteis, que haveria de
me atirar para os braços do inevitável iPhone.
"Tens aí um carregador Nokia?" foi a frase mais repetida na
viragem do milénio, quando o fabricante finlandês era incensado "urbi et
orbi", em particular em Lisboa, onde o Governo resumia a estratégia ao
choque tecnológico e suspirava, ansioso como uma adolescente, por uma
Nokia portuguesa.
Para espanto dos que que ficaram presos na
narrativa de que o mundo está a mudar - e por isso não deram conta de
que ele já mudou -, a Nokia desceu aos Infernos, despenhando-se de uma
confortável liderança com 40% do mercado (2007), para uns irrelevantes
3% no segmento que interessa: o dos smart-phones.
Entalada entre o
galope do Android e o sedutor iPhone, a Nokia optou por uma terceira
via aliando-se à Microsoft para equipar os seus telemóveis com o
Windows.
Render-se ao sistema operativo da Google, como a
Samsung, HTC, Motorola, seria, nas palavras de um ex-CEO da Nokia,
imitar os garotos finlandeses que fazem xixi nas calças para se
aquecerem. Aliviam-se no momento, mas não tarda a ficarem mais
enregelados do que estavam antes de esvaziarem a bexiga. A Nokia não fez
xixi nas calças, mas também não evitou perder a independência, ao ser
comprada, a preço de saldo, pela Microsoft.
Veterano da geração
Nokia, acho justo, oportuno, correto e mobilizador extrair três lições
fundamentais do desmoronar do sonho finlandês.
1.ª - O maior erro
que se pode cometer na vida é deixar-se tolher pelo medo de errar. Três
anos antes de a Apple lançar o iPhone, a Nokia já tinha desenvolvido
ecrãs táteis, mas como se sentia confortável, achou por bem não
lançá-los no mercado;
2.ª - É uma rematada idiotice acreditar em
receitas milagrosas e que era possível replicar no nosso país o sucesso
da Nokia. O que sobrou de positivo da retórica do choque tecnológico não
foi a tentativa de importar, chave na mão, modelos estranhos à cultura e
competências do nosso tecido industrial, mas sim o upgrade tecnológico
de indústrias tradicionais como calçado, têxtil, metalurgia, cerâmica
ou cortiça;
3.ª - Não podemos adormecer à sombra da bananeira. A
Nokia nasceu como papeleira e foi fabricante de botas de borracha,
televisores e telefones para o exército, até que, no início dos anos 90,
um CEO visionário apostou nas comunicações móveis. O segredo do sucesso
está na capacidade de nos adaptarmos rapidamente a um mercado em
perpétua mudança - e no casamento entre adaptação, diferenciação e
inovação. Não basta fazer o diagnóstico certo e escolher o alvo. A
escolha do caminho é fundamental.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
23/09/13
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