As castanhas à porta da guerra
"Cheguei à guerra eram sete horas da manhã. Estava a guerra ainda
fechada. E estava uma mulherzinha a vender castanhas à porta da guerra. E
eu perguntei: Minha senhora, faz favor, pode dizer-me se aqui é que é a
guerra de 1908? Não, é mais acima, aqui é a guerra de 1906. Subi dois
andares, cheguei mais acima, estavam a abrir as portas onduladas da
guerra já eram 9 e tal".
Fez rir gerações esta parte de um "sketch" famosíssimo,
interpretado por Raul Solnado, nome maior do teatro português. Hoje,
adaptadas as datas, caricatura bem o barril de pólvora instalado no
Médio Oriente - e o cinismo da comunidade internacional.
Esquecido
dos resultados desastrados da guerra no Afeganistão, no Iraque e na
Líbia, um conjunto de românticos exultou há dois anos com o surgimento
de movimentos populares aparentemente adeptos do derrube de um naipe de
regimes ditatoriais, substituindo-os por democracias. E, afinal, a
Primavera Árabe rapidamente se transformou num movimento cascata,
travestido, de substituição de dirigentes facínoras por outros
facínoras.
Se os sinais de extremismo saídos do Egito são
eloquentes, a guerra civil instaurada na Síria aponta ao limiar do erro
de análise. E a um lamentável aproveitamento (outra vez) das grandes
potências, exercitando-se o cúmulo do cinismo.
Dois milhões de
deslocados e 110 mil mortos depois, os pretensos polícias do Mundo -
Estados Unidos, França, Inglaterra e mais uns acolitozitos - espreitaram
em 1300 assassinatos por armas químicas a hipótese de se fazerem notar
moralistas, escondendo no conceito o despique geoestratégico e as altas
negociatas, do armamento ao gás e ao petróleo.
O anúncio de um
ataque ao arsenal do ditador Bashar al-Assad está por um fio. Barack
Obama, o Nobel da Paz, deverá receber luz verde do Congresso americano
na segunda--feira e a partir daí seguir-se-á o fogo à peça - o veto
também geoestratégico da Rússia e da China no Conselho de Segurança da
ONU vale zero. Um cenário repetido.
Não nos enganemos: a escalada
armamentista no conflito sírio só agravará fúrias do enorme vespeiro em
que está transformado o Médio Oriente. A passagem da ideia de uma
intervenção destinada a repor patamares mínimos de dignidade da condição
humana naquela região do Mundo é falaciosa. E tão perigosa quanto a
tese da necessidade de dar uma lição a um regime repugnante - mas,
apesar de tudo, sem cercear o convívio entre comunidades religiosas
diversas. E todos sabem estar a Oposição fragmentada, constituída por
extremistas de sinal contrário e grupos de bandoleiros e terroristas de
quilate semelhante - ou pior.
Perante o comportamento dos
senhores do Mundo, é difícil compreender como ainda nos admiramos com o
exército de hipócritas mais próximos das nossas vidas - estejam eles nos
locais de trabalho ou no bairro em que habitamos.
A Barack Obama,
François Hollande, David Cameron e acólitos devia ser passado o som de
Solnado sobre a guerra de 1908. Seria difícil, mas talvez o riso os
desarmasse da ganância.
07/09/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário