HOJE NO
"PÚBLICO"
Estágios não-remunerados:
prancha para o sucesso ou
escravatura moderna?
Muitos jovens vêem-se obrigados a optarem por períodos à experiência sem qualquer vencimento no final do mês.
Moriz Erhard era um jovem alemão de 21 anos que morreu depois de
trabalhar 72 horas consecutivas na sucursal do Bank of America em
Londres. A morte do estagiário de Economia veio relançar a polémica
relativamente às condições de trabalho que os jovens enfrentam quando
terminam a formação superior.
Bernardo Almeida, emigrante
português na Noruega, contou ao PÚBLICO que "nos bancos de investimento
o estagiário faz trabalho chato e repetitivo, mas acaba por aprender
imenso". Bernardo adianta ainda que caso a instituição goste do trabalho
do estagiário, o mais provável é este ser convidado para integrar a
empresa enquanto analista, cargo que possui uma remuneração
significativa.
Frederico Aragão, assessor de imprensa, revelou ao
PÚBLICO que passou por diversos estágios não remunerados até obter um
contrato de trabalho: “É fundamental saber distinguir as verdadeiras
intenções das empresas para assim não criarmos ilusões. Experiência é
sempre algo positivo… mas isso não quer dizer que um estagiário possa
ficar para sempre como apenas isso, um mero estagiário. Ninguém vive
apenas do ar que respira.”
Numa altura em que a taxa de desemprego
continua elevada (16,5%) e a taxa de desemprego jovem em Portugal está
acima dos 40%, são inúmeros os relatos de recém-licenciados (e até mesmo
de pessoas com o mestrado concluído) que não têm outra alternativa se
não submeter-se a estágios não remunerados para ganharem experiência no
mercado de trabalho e mais tarde tentarem integrar os quadros das
empresas. Porém, o que pode ser visto como uma possível prancha para a
construção de uma carreira, é muitas vezes aproveitado pelas entidades
empregadoras como um modo de obterem mão-de-obra gratuita, ainda que
durante um período temporário.
Em Portugal, mais de 100 mil
pessoas fizeram estágios em 2012, ao abrigo dos programas de Emprego,
co-financiados pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional (IEFP).
Mas a realidade será muito mais vasta, porque é possível as empresas
recorrerem a estagiários, sem comunicarem a nenhuma entidade pública.
Segundo a lei, os estágios extracurriculares e profissionais com duração
até três meses podem ser não remunerados. Um estágio (cujo período
máximo é de um ano) só tem de ser pago se tiver uma duração acima de
três meses. O valor de referência é o Indexante dos Apoios Sociais
(IAS), actualmente de 419,22 euros, acrescido de um subsídio de
refeição/dia.
“Em áreas com grandes massas de qualificados, como é
o caso do jornalismo, o número de candidatos é de tal modo elevado que é
impossível aos organismos absorver toda a mão-de-obra. Essa excedência
de candidatos acaba por permitir e justificar, que, de facto, muitos
empregadores usem os estágios não remunerados para completar as suas
necessidades reais, que muitas vezes não estão satisfeitas devido à
crise económica que o país atravessa”, afirma Aurora Nunes,
ex-jornalista.
De acordo com os dados fornecidos ao PÚBLICO pela
Autoridade para as Condições do Trabalho, os inspectores fizeram 64
advertências e levantaram 219 procedimentos coercivos (multas e
participações ao Ministério Público) em 2012 pelos chamados casos de
“dissimulação de contrato de trabalho”, seja através de figuras como a
falsa prestação de serviços, os falsos estágios remunerados ou outros
tipos contratuais.
Também há experiências positivas
Mas
nem todas as experiências são negativas. Vítor Monteiro, finalista do
Mestrado Integrado em Engenharia Civil na Faculdade de Engenharia da
Universidade do Porto (FEUP), estagiou na IncubIT, empresa especializada
na formação de empreendedores, e afirmou ao PÚBLICO o quão gratificante
foi a experiência: “Fiz um grande esforço em termos de gestão de tempo,
mas acredito que ganhei muito mais do que o que tive de investir.”
Francisco
Telo Rasquilha, aluno de mestrado na Católica Lisbon School of Business
& Economics, iniciou recentemente um estágio não remunerado numa
instituição financeira, e é da mesma opinião: “Oferecem-me condições
flexíveis, com um horário agradável e um bom ambiente de trabalho.”
David
Passão, recém-licenciado em Cardiopneumologia pelo Instituto
Politécnico de Lisboa, passou por uma experiência positiva no período de
estágio e afirma que foi explorado: “Os meus orientadores tiveram que
dispensar algum do seu tempo para me acompanhar e nesse sentido os
estágios que frequentei foram extremamente frutíferos. “ Também Diogo
Galvão, que chegou a realizar um estágio não remunerado na Portugal
Telecom, defende que "não há salário/bolsa de estágio que pague as
amizades e projectos" que desenvolveu durante esse período.
Com a
falta de emprego em Portugal, muitos jovens partem para o estrangeiro à
procura de oportunidades. Mas muitos dos que ficam acabam por fazer
estágios não remunerados para não ficarem parados, ainda que não tenham
quaisquer promessas de integração.
“Depois de passarmos anos a
estudar e a sermos sustentados pelos nossos pais, o que queremos acima
de tudo é a nossa independência”, destaca Benedita Telles, uma jovem
enfermeira que está a tentar conseguir um lugar na sua área. “Nós,
enquanto estagiários, fazemos muito mais para além das nossas
competências, e acabamos, na maior parte dos casos, por ser escravos dos
profissionais”.
* Estágios sem vencimento, uma exploração!!!
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