Quantas mais mortes
serão precisas?
Pedro Santana Lopes deixou o ar condicionado do seu certamente elegante
gabinete na Santa Casa da Misericórdia de Lisboa e foi até à
Universidade de Verão do PSD falar de incêndios. Na sazonal academia
laranjinha, que está para os candidatos a político como o "jamboree"
para os escuteiros, Santana exibiu as suas credenciais de ex-autarca
para pedir a responsabilização dos atuais presidentes de Câmara na
prevenção dos fogos florestais. Santana Lopes tem meia razão. Diz que há
leis e planos "que cheguem". Pragmático como sempre, o antigo
primeiro-ministro considera que "só falta dizer quem manda". E, para
ele, quem deve mandar são os que estão "junto da terra". A ideia não é
nova. Miguel Cadilhe, no seu "Sobre o peso do Estado em Portugal",
defende igualmente a entrega de "mais meios e atribuições" ao poder
local porque a sua proximidade, garante, ajuda no "conhecimento do
desmazelo e dos desmazelados" da propriedade.
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Até aqui, tudo muito certo. Mas Santana parece não viver neste
país quando preconiza que sejam as autarquias, só por si, a "obrigar as
pessoas às limpezas das matas". Na verdade, todos conhecemos o grau de
desertificação do nosso interior e Santana Lopes é obrigado a saber
também que parte considerável da propriedade florestal ao abandono
pertence ao Estado. A proposta, certamente bem intencionada, de reforçar
os poderes municipais para prevenir os fogos não pode iludir as
responsabilidades do poder em Lisboa nas políticas integradas que tanto
fazem falta às nossas florestas. Para já não falar das outras políticas
que ajudam ao êxodo para o litoral.
Talvez fosse mais eficaz,
como considera Cadilhe, que a defesa das matas assentasse num princípio
simples: "Quem é"pequeno e cuida, tem prémio. Quem é grande e cuida, tem
regime normal. Quem não cuida, seja grande ou pequeno, tem castigo,
maior no grande do que no pequeno". O Estado seria, naturalmente,
tratado como um grande proprietário.
Estes contributos surgem em
mais um dia dramático para os bombeiros portugueses. No Caramulo, voltou
a morrer uma bombeira. Cátia Pereira Dias tinha 21 anos e não vai poder
concretizar o sonho escrito na sua página no Facebook de formar uma
equipa de futebol feminino para "mostrar a esses homens" que as mulheres
também são capazes. Que os homens que nos governam sejam capazes de
fazer o que tem de ser feito para que mortes prematuras, como as que
ocorreram nos fogos florestais deste ano, não se repitam.
P.S.:
Foram precisas cinco mortes para Cavaco Silva mudar de opinião e Pedro
Passos Coelho ir ao terreno. Antes, o presidente justificou o seu
silêncio público para com os bombeiros mortos com a "discrição e a
seriedade que a situação humanitária reclama". Ontem, num comunicado
dominado pela cronologia exaustiva dos falecidos e feridos no flagelo
deste verão, Cavaco considerou que "todas estas dramáticas situações
humanas merecem o nosso profundo respeito e pesar". Há declarações
públicas que mais vale serem ditas tarde do que nunca. Mesmo quando se
tem de dar o dito pelo não dito.
IN "JORNAL DE NOTÍCIAS"
30/08/13
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