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IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
13/09/13
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Sempre vale a pena
ler um bocado
O ministro Poiares Maduro tem demonstrado o desejo
louvável de agradar ao primeiro-ministro, o qual, diz-se, o escolheu
por ser "recomendado", pois nada sabia dos seus talentos. O ministro é
desenvolto, sorridente e está cheio de ideias. É-lhe, por exemplo,
atribuída a ideia dos "briefings" diários, que deu origem a que o dr.
Lomba, ante o silêncio compungido do dr. Marques Guedes, formulasse
aquela frase, "inconsistências problemáticas", que custou a função ao
secretário do Tesouro, salvo seja. Acresce que Poiares Maduro dá os
bons-dias a toda a gente, inaugurando, no ministério, um alvoroço de
educação e um bulício de meigos sorrisos.
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Agora, o admirável ministro apareceu
com a proposta singular de reformular a RTP, copiando o modelo da BBC.
Poiares Maduro deseja que uma entidade "independente" passe a tutelar
aquela estação e suas adjacências. Tarefa ingente, cuja natureza
crispada não parece impressioná-lo.
Acontece outros poréns. Em política, como na vida, e
acrescente lá: como no jornalismo, não há independência, nem
imparcialidade e muito menos, Deus nos livre!, objectividade. Os
ideólogos destas patranhas nunca leram Hemingway, desconhecem Harrison
Salisbury e ignoram os grandes nomes da Imprensa portuguesa, que
edificaram, com honra e grandeza, o armorial do ofício. Esses que tais
são, habitualmente, jornalistas de terceira ordem, que não sabem
executar o seu trabalho e, por isso, dedicam-se ao ensino.
Os
que deram cabo da política são parentes próximos dos que atiraram o
jornalismo para as ruas da amargura. As coisas têm uma relação de muita
proximidade entre si, até na promiscuidade que as envolve. A política
era mais nobre? O jornalismo era melhor? Havia, isso sim, a tentativa,
por vezes desesperada, de os seus melhores profissionais inverterem a
tendência para o desmazelo e para a cumplicidade.
Não
tenho dúvida das boas intenções do ministro Poiares Maduro. O pior é o
resto. E creio que, lamentavelmente, esta ideia vai seguir a mesma dos
"briefings". Há problemas e questões muito mais importantes a requerer a
atenção dele e da sua juventude. Deixe-se de peripécias menores, como a
de seguir na peugada dos "seniores" do Governo no espancar o PS e o
pobre do Seguro. Eles vão, mesmo, para o Governo, talvez mais cedo do
que os próprios pretendem. É uma inevitabilidade histórica, decorrente
do sistema criado e que nunca amachucara, nem ao de leve, as duzentas
famílias que nos mandam, através políticos por elas mantidos e
estimulados. Poiares, penso, não foge à regra: é um produto desta total
insanidade em que vivemos.
Ao tornar pública a
ideia, acaso honesta mas desprovida de sentido lógico, o ministro
deveria, porventura, consagrar-se mais ao estudo das nossas raízes
culturais, procurar o ensinamento naqueles que recusam o obscurantismo e
procuram uma luz, por ténue que seja, nos livros opostos, nos que
obrigam a reflectir sem impor. Verificaria que a realidade não é assim
tão simples. E que é a complexidade que torna a vida mais fascinante.
Houve um poeta, Carlos Queiroz, no outro dia brevemente evocado, que
escreveu: "Olhar só as coisas/é fácil e vão/por dentro das coisas/é que
as coisas são." Carlos Queiroz não era "progressista", apoiava
discretamente o regime de Salazar, e morreu muito novo, de comoção, ao
chegar a Paris, sonho da sua vida.
Vale a pena ler um bocado.
IN "JORNAL DE NEGÓCIOS"
13/09/13
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