06/06/2013

HELENA MATOS

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Coma aqui uma perninha de frango

Os alemães. Os bancos. As PPP. O capital. Os países do norte. Em alguns dias também o BCE… Não há um dia em que não se tente arranjar uma instituição que se culpe pela dívida insustentável que contraímos.

A corrupção é outra das explicações e sem dúvida a mais reconfortante pois ao transformar cada um de nós numa vítima desresponsabiliza-nos.

Seria de facto óptimo se pudéssemos culpar os outros pela nossa situação. Mas infelizmente isso não é verdade: ninguém nos obrigou a endividarmo-nos desta forma. Quanto à corrupção, ela é um problema moral que independentemente dos montantes que movimenta deve ser sempre combatida, mas o discurso de que se não houvesse corrupção não haveria crise não só é falso como legitima um discurso populista e caudilhístico, que depois de denegrir a democracia parlamentar, acaba a nivelar tudo e todos por baixo, ficando de fora de tal razia apenas os autores desse tipo de retórica e os seus amigos.

Lamento informar mas a culpa é das perninhas de frango. Não dos pescocinhos que noutros tempos se dizia que os meninos não deviam comer porque continham hormonas. Nem das asinhas e mais miudezas gelatinosas tipo patinhas mas sim das perninhas. Perguntarão: como é possível uma crise desta dimensão ter a sua origem no corpo de umas aves que a bem dizer nem são aves e ainda por cima logo nas perninhas? Leia-se o livro "Alberto João Jardim, o rei da Madeira", da autoria de Maria Henrique Espada, e percebe-se: em 1980, Sá Carneiro acompanhado de vários dos seus ministros visitou a Madeira. Perante a grandiosidade e o volume das obras que floresciam quais estrelícias pela Ilha, nomeadamente no município de São Vicente onde a comitiva governamental parara para almoçar, o então ministro das Finanças, Cavaco Silva de seu nome, ao perceber o grau de endividamento daquela autarquia, terá dito ao respectivo presidente: "O senhor devia estar era preso." Nesse momento, segundo algumas das pessoas que assistiram à conversa relataram a Maria Henrique Espada, Sá Carneiro intervém e virando-se para Cavaco Silva ter-lhe-á dito "Coma aqui uma perninha de frango". E assim a perninha de frango encerrou a polémica. Como é óbvio não encerrou o problema e 33 anos depois a dívida da Madeira ronda os 6,3 mil milhões de euros.

Como não é menos óbvio na Madeira culpa-se o Continente, no Continente culpa-se a Madeira e a corrupção que medrou à sombra de Jardim, e todos, no Continente e na Madeira, concordam que a UE ou a Alemanha deveriam ser mais solidárias. Infelizmente ninguém mais se lembrou das perninhas de frango que sucessivos ministros foram engolindo para não atalharem caminho ao desastre mais que anunciado na Madeira e no Continente. Afinal foi assim com o endividamento. Foi assim com a Segurança Social. Foi assim com o arrendamento... Sempre que alguém se propunha enfrentar a insustentabilidade das escolhas que estavam a ser tomadas, tinha à espera as suas perninhas de frango.

Os corruptos roubaram-nos, as PPP e mais arranjos similares foram mal negociados. Mas o nosso maior problema não foi aquilo que outros nos fizeram mas sim a nossa vontade de nos enganarmos. Ou por outras palavras, as perninhas de frango que nos foram distribuindo e que nós alegremente comemos pensando que seria possível iludir o tempo que havia de vir.

Mas o tempo, como se aprende na mitologia, não se alimenta de frangos ou coisas comuns. O tempo alimenta-se dos seus próprios filhos. E é isso que hoje aí temos: chegou a factura para geração dos filhos pagar respeitante àquele tempo em que a geração dos pais para evitar enfrentar a realidade distribuía perninhas de frango. Reais e metafóricas.

 Ensaísta

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
04/06/13

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