Coma aqui uma perninha de frango
Os alemães. Os bancos. As PPP. O capital. Os países do norte. Em alguns dias também o BCE… Não há um dia em que não se tente arranjar uma instituição que se culpe pela dívida insustentável que contraímos.
A corrupção é outra das explicações e sem
dúvida a mais reconfortante pois ao transformar cada um de nós numa
vítima desresponsabiliza-nos.
Seria de facto óptimo se pudéssemos culpar os outros pela nossa
situação. Mas infelizmente isso não é verdade: ninguém nos obrigou a
endividarmo-nos desta forma. Quanto à corrupção, ela é um problema moral
que independentemente dos montantes que movimenta deve ser sempre
combatida, mas o discurso de que se não houvesse corrupção não haveria
crise não só é falso como legitima um discurso populista e
caudilhístico, que depois de denegrir a democracia parlamentar, acaba a
nivelar tudo e todos por baixo, ficando de fora de tal razia apenas os
autores desse tipo de retórica e os seus amigos.
Lamento informar mas a culpa é das perninhas de frango. Não dos
pescocinhos que noutros tempos se dizia que os meninos não deviam comer
porque continham hormonas. Nem das asinhas e mais miudezas gelatinosas
tipo patinhas mas sim das perninhas. Perguntarão: como é possível uma
crise desta dimensão ter a sua origem no corpo de umas aves que a bem
dizer nem são aves e ainda por cima logo nas perninhas? Leia-se o livro
"Alberto João Jardim, o rei da Madeira", da autoria de Maria Henrique
Espada, e percebe-se: em 1980, Sá Carneiro acompanhado de vários dos
seus ministros visitou a Madeira. Perante a grandiosidade e o volume das
obras que floresciam quais estrelícias pela Ilha, nomeadamente no
município de São Vicente onde a comitiva governamental parara para
almoçar, o então ministro das Finanças, Cavaco Silva de seu nome, ao
perceber o grau de endividamento daquela autarquia, terá dito ao
respectivo presidente: "O senhor devia estar era preso." Nesse momento,
segundo algumas das pessoas que assistiram à conversa relataram a Maria
Henrique Espada, Sá Carneiro intervém e virando-se para Cavaco Silva
ter-lhe-á dito "Coma aqui uma perninha de frango". E assim a perninha de
frango encerrou a polémica. Como é óbvio não encerrou o problema e 33
anos depois a dívida da Madeira ronda os 6,3 mil milhões de euros.
Como não é menos óbvio na Madeira culpa-se o Continente, no
Continente culpa-se a Madeira e a corrupção que medrou à sombra de
Jardim, e todos, no Continente e na Madeira, concordam que a UE ou a
Alemanha deveriam ser mais solidárias. Infelizmente ninguém mais se
lembrou das perninhas de frango que sucessivos ministros foram engolindo
para não atalharem caminho ao desastre mais que anunciado na Madeira e
no Continente. Afinal foi assim com o endividamento. Foi assim com a
Segurança Social. Foi assim com o arrendamento... Sempre que alguém se
propunha enfrentar a insustentabilidade das escolhas que estavam a ser
tomadas, tinha à espera as suas perninhas de frango.
Os corruptos roubaram-nos, as PPP e mais arranjos similares foram mal
negociados. Mas o nosso maior problema não foi aquilo que outros nos
fizeram mas sim a nossa vontade de nos enganarmos. Ou por outras
palavras, as perninhas de frango que nos foram distribuindo e que nós
alegremente comemos pensando que seria possível iludir o tempo que havia
de vir.
Mas o tempo, como se aprende na mitologia, não se alimenta de frangos
ou coisas comuns. O tempo alimenta-se dos seus próprios filhos. E é
isso que hoje aí temos: chegou a factura para geração dos filhos pagar
respeitante àquele tempo em que a geração dos pais para evitar enfrentar
a realidade distribuía perninhas de frango. Reais e metafóricas.
Ensaísta
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
04/06/13
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