Memória ou falta dela…
Secretário do Ambiente fala de surf, mas finge esquecer que é co-responsável pelo que se fez no Jardim do Mar
Na Conferência do Turismo o Secretário do Ambiente anunciou, vinda do
nada, a criação de uma reserva mundial de surf integrada num território
de referência a nível mundial. Mais disse que está em preparação um
documento de Política Marítima Regional; se seguir as passadas dos POOCs
estamos conversados - depois de encomendados, feitos e discutidos,
foram suspensos por ordem directa do presidente.
O Secretário do Ambiente fala de surf, mas finge esquecer que é
co-responsável pelo que se fez no Jardim do Mar, nunca se lhe ouviu uma
observação sobre o Lugar de Baixo ou a Ponta Delgada, não abriu a boca
quando o presidente do governo incentivou à violência contra quem
protestava pela destruição das potencialidades do surf (nicho de mercado
turístico já então mundialmente reconhecido) nem se demarcou quando ele
caluniou esse turismo como de pata rapada. Será que acordou agora
porque McNamara divulgou pelo mundo os 34 metros de uma extraordinária
onda na Nazaré? Também queria uma onda parecida na Madeira? Pois não
tivesse contribuído para matar a galinha dos ovos de ouro.
Mas há mais razões para que esta declaração venha do nada. Alguém que
não conheça a realidade, ao ouvir o Secretário ficaria com a sensação
que se estava a iniciar um caminho, a começar mais ou menos do zero. É
mentira, estamos a muitos pontos negativos.
Porque durante todos estes anos não houve nenhuma estratégia, nenhuma
atenção, à nossa envolvente que é o mar: com excepção de pequenas zonas
de acesso muito difícil, todo o resto está completamente artificializado
(recordo aliás a peregrina ideia de construir uma via rápida na beira
mar, à volta da ilha e que só não foi para a frente por falta de
dinheiro); a zona interdital especialmente importante no ecossistema
marinho sofreu impactos destrutivos significativos; os fundos do mar,
quase sem vida animal e vegetal, são sucessivamente castigados com as
desastrosas descargas de terras; o eco parque marinho do Funchal não sai
do papel há mais de 10 anos; as praias de calhau, tão próprias das
características geológicas desta ilha e uma mais-valia identitária, são
destratadas em favor das areias do deserto, quando deviam ser assumidas
como património regional. E ainda agora, se se tivesse aprendido alguma
coisa com os erros passados, não teríamos a barbaridade que são as obras
na beira-mar do Funchal, para a construção de um cais de acostagem
virado a mar aberto a sudeste, a pior situação! Veremos repetir
desastres como no Lugar de Baixo ou o porto do Caniçal. E os milhões
escorrem, atolados na vasa que assoreia o porto e enriquece os
desassoreadores…
A questão não é a onda ou o surf. A grande questão é, antes de mais,
conhecer o mar, estudá-lo, e depois saber o que queremos fazer com ele,
como o usamos, como o poupamos a agressões, como salvaguardamos uma das
mais importantes fontes de vida e energia do mundo. Como é que, com
imaginação e equilíbrio, aproveitamos os recursos à nossa mão - a pesca,
a fotografia, a diversidade dos fundos, os percursos costeiros de
observação da rica e variada geologia terrestre, o avistamento de aves,
tartarugas e mamíferos marinhos (pelo menos, temos tantas espécies como
os Açores; só que os açorianos cuidam de proteger e divulgar o que é
seu) - e não considerar o mar como o grande caixote do lixo, eterno e
infinito.
Vinda do nada é ainda esta intenção porque avulsa, vazia de visão e
objectivos, quando nem sequer existe um programa de medidas regionais
para aplicar a Directiva-Quadro da Estratégia Marinha de 2008, que se
destina a assegurar o bom estado ecológico das águas do mar.
A declaração que aqui se comenta é também muito curiosa porque parece
que, para trás, não existem anos de insultos e calúnias a quem discordou
do que tem feito. Muita gente, eu incluída, registou as atitudes do
vereador Costa Neves. Mas há que não esquecer todos quantos, sem a
cobertura mediática da figura pública, foram lesados, insultados e
muitas vezes condenados em processos e julgamentos em tribunal - apenas
porque discordaram, no exercício do mais elementar direito de opinião.
Quanto a tudo isto o Secretário calou-se acomodado, pouco incomodado com
o poder autoritário. Não assuma, agora, os tiques do seu presidente ao
insultar-nos de novo, tentando 'inocentemente' ignorar a memória.
Ou já entrámos em tempo de campanha para as eleições regionais?
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS DA MADEIRA"
08/05/13
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