27/05/2013

FILOMENA MARTINS

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Como Cavaco acelerou a Justiça

A liberdade de expressão é uma conquista tremenda. É por isso que encerra uma não menor tremenda responsabilidade. Pode não gostar-se de Cavaco Silva, política e pessoalmente, e poucos já gostarão, tendo em conta os resultados negativos, inéditos, das últimas sondagens. E pode-se, até ao limite máximo do uso dessa liberdade expressiva conquistada, criticá-lo. Mas o recurso ao insulto é ir longe demais, é uma falta de respeito para com a instituição Presidência da República, como já reconheceu Miguel Sousa Tavares. Posto isto, é preciso dizer que se o mediático escritor comentador, que está em promoção do seu novo livro, deveria saber qual o impacte das suas palavras e também deveria ter previsto, enquanto jurista, que viria aí processo certo, a forma como Cavaco se mexeu está longe de ser impoluta. Um processo por difamação é híper comum em Portugal, não deve haver jornalistas e políticos que não o conheça. Mas Cavaco não seguiu a via óbvia de entregar o caso aos seus assessores jurídicos. Fez questão de perguntar ao Ministério Público, como número um da Nação, se via na qualificação profissional que Sousa Tavares lhe atribuiu um crime de ofensa à honra do alto cargo que desempenha. A resposta da justiça nunca foi tão rápida: horas depois, talvez nem tanto, mandou abrir um inquérito. Ficou tudo claro: parece que a celeridade da justiça depende de quem faz a queixa.

O "show-off" de Belém
O que aconteceu na segunda-feira não foi um Conselho de Estado, foi um Big Brother político. De onde saltaram e se traficaram todas as versões que mais interessavam a uns e a outros, conforme a agenda de cada qual. Mas, por muito que a situação do País crie expectativas aos cidadãos, o Conselho de Estado é o que é e vale o que vale. O problema não está no órgão e no que ele pode trazer sobre decisões para o País, que todos deviam saber que é pouco ou nada. Está na forma como quem o lidera, o Presidente, alimenta essas expectativas, usando timings específicos para o convocar e mantendo pessoas que convidou para o integrar depois do espetáculo que acabam de nos proporcionar. Mas mais importante nem foi o que se soube, foi o que se foi percebendo. Veio dos relatos dos bastidores a única coisa relevante daquela noite longa em Belém: Cavaco Silva, por mais que insista, nunca conseguirá consensos alargados, durem estes conselhos as horas que durarem. Até porque o CDS está preparado para fazer a sua parte: os recados de Bagão Félix ao PS sobre a disponibilidade dos democratas-cristãos para entrar num novo governo são claros e tiveram eco nas palavras de Jorge Sampaio, ao afirmar que não se pode contar com a esquerda para formar governos. O resto é show-off.

As acelerações de Gaspar
Vítor Gaspar, depois de ter ido à Alemanha receber mais instruções do seu professor e bom amigo Schäuble, veio anunciar, com pompa, o início de uma nova era para Portugal: a do investimento e desenvolvimento económico. Passe o escasso impacte que as novas propostas terão, passe o atraso da proposta e das ideias e passe até a repetição de muitas medidas já conhecidas, um plágio aos métodos socráticos, o que mais ressalta da apresentação deste plano "catalisador e acelerador" é a forma como Gaspar reduziu a um papel menor Álvaro Santos Pereira. Ao ministro da Economia, "pai" do pacote de estímulo económico apresentado há um mês que já continha muito do que Gaspar reanunciou agora lentamente, coube um protagonismo tão redutor como o reservado aos quatro restantes secretários de Estado escolhidos para ilustrar este momento marcante para o País. Se a ideia é catalisar a economia, através de injeções de estímulos fiscais às empresas, Gaspar, o "senhor números", deveria ter sabido quantificar a medida. Se era para mostrar também uma união governamental entre as duas pastas independentes que nem sempre têm defendido o mesmo caminho, houve logo atropelamentos. O arranque desta nova era começa, pois, cheio de solavancos e o motor ameaça mesmo gripar a qualquer momento.

Os exemplos da união sindical
O movimento sindical vive um momento muito especial em Portugal - porque as duas centrais sindicais têm novas lideranças, mas, sobretudo, porque nunca em democracia parece ter havido tantas razões para o protesto. Se há área em que a palavra "convergência", que agora entrou no léxico político, mais assusta é aqui, pelo que pode potenciar de uma revolta social. Carlos Silva e Arménio Carlos perceberam-no. Aproximaram-se. Decidiram apoiar-se em várias iniciativas já agendadas por UGT e CGTP. Planeiam algumas em conjunto. É por isso que não se entende a arrogância demonstrada pela coordenadora da Frente Comum, Ana Avoila, que quase deitou a perder uma oportunidade rara de união sindical. "Nós decidimos a nossa greve, nós vamos marcar o nosso calendário. Eu não tenho que dizer a ninguém, digo se quiser", gritou Avoila após agendar o seu protestozinho e fazendo questão de desdenhar da proposta de greve conjunta desejada pela UGT. Dias depois houve acordo. Porque, perante tanta sede de protagonismo, Carlos Silva revelou um poder de encaixe estratégico. E fez o Governo guardar a garrafa de champanhe.

IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
25/05/13

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