Armada chinesa no Tejo
afunda velhos do Restelo
Três navios de
guerra chineses dão hoje entrada no Tejo. Mas não se assuste. Vêm em
missão de paz e logo quando se celebram 500 anos da chegada do primeiro
português ao rio das Pérolas, aquele que banha Hong Kong e Macau. A
vê-los passar estará a Torre de Belém, símbolo dos Descobrimentos mas só
iniciada em 1514, um ano depois de Jorge Álvares ter acostado na China,
começando uma relação que vai dar ainda muito que falar nos tempos
próximos.
Fomos nós os portugueses que, costuma dizer-se, demos
novos mundos ao mundo, mas esta segunda visita de navios chineses a
Lisboa em poucos anos serve para relembrar que até podiam ter sido eles.
Tudo era possível de acontecer se os imperadores da dinastia Ming não
tivessem dado ordem a Zheng He para desistir das aventuras marítimas.
A
última viagem do almirante pelo Índico aconteceu em 1433, pouco antes
de Gil Eanes ter dobrado o Bojador. Sabendo--se que a frota chinesa
chegou a descer por África até Melinde, imagine-se bem se o projeto
continuasse: um dia, nas imediações do cabo da Boa Esperança, as
caravelas teriam dado de caras com os juncos chineses. Quão diferente
seria a história, ninguém consegue imaginar.
Prestemos, pois,
homenagem ao marinheiro chinês. No imponente Museu Marítimo de Hamburgo
sete bustos lembram os maiores dos navegadores: Zheng He está lá, como
estão Bartolomeu Dias, Vasco da Gama e Magalhães. O veredicto da cidade
portuária conta e muito, até porque sem historial de descobridores, os
alemães podem dar-se ao luxo de ser imparciais (Colombo, claro, não foi
esquecido, mas os hamburgueses não destacam nenhum almirante espanhol!).
Quatro
anos depois de Jorge Álvares, Portugal enviou o seu primeiro embaixador
à corte dos Ming. Correu mal a missão e Tomé Pires nunca regressou. Foi
preciso esperar umas décadas para que a soma dos interesses comerciais
de portugueses e chineses resultasse na criação de Macau. E prova que
não foi feitoria conquistada a tiro de canhão, como Hong Kong no século
XIX, os chineses só a aceitaram de volta em 1999, já depois de os
britânicos terem devolvido a sua colónia.
Vale alguma coisa este
passado comum? Tem de valer. Os chineses são um povo com memória.
Chegaram a agradecer por Portugal ter recebido em 1992 o
primeiro-ministro Li Peng quando a regra era ostracizar a China por
causa de Tiananmen. E em Macau andam a reconstruir tudo o que cheira a
português, mesmo que seja para turista (a caminho dos casinos).
No
ano passado, a China andou às compras pelo mundo. E tirou das
prateleiras portuguesas a EDP e a REN. Suspeita-se que mais virá. Até
porque a febre consumista das empresas do Império do Meio não abranda.
Ao mesmo tempo exportámos mais de mil milhões de euros para a segunda
economia mundial e, surpresa, já vendemos mais à China do que ao Brasil.
Se fosse nos tempos antigos, dir-se-ia: bons ventos tragam os
navios chineses. E que venham também os negócios da China nesta era de
crise. Só mesmo sendo velho do Restelo se pode negar que a história às
vezes nos dá oportunidades inesperadas.
IN "DIÁRIO DE NOTÍCIAS"
15/04/13
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