Contra a mentira,
a inteligência moderada
e a má-fé
O dia 5 de abril confirma a enorme irresponsabilidade do Governo,
apenas disfarçável com expressões de vitimização - em democracia, há
deputadas "perplexas" - e de aproveitamento da decisão do TC para
justificar dois anos de falhanços em todas as metas.
O Acórdão 187/2013 repete, na sua fundamentação, o que já era a
jurisprudência do acórdão relativo ao Orçamento do Estado (OE) do ano
passado.
É extraordinário que o Governo, depois da violação da Constituição
(CRP) verificada há um ano, tenha treslido essa decisão, ignorados todos
os avisos aquando do anúncio das linhas gerais do OE de 2013 e tenha,
em arrogância cega, insistido em fazer a lei mais importante do país não
guardando um dos "quadradinhos" em que labora para a CRP.
Foi pois o Governo e a maioria que criaram o problema e antes do
anúncio da decisão trataram de se multiplicar em vozes de pressão do TC e
de descrição de uma CRP imaginária.
A decisão, no que toca às normas declaradas inconstitucionais, só pode
ser uma surpresa para quem não lê, não quer ler ou insiste num caminho
argumentativo mentiroso acerca da CRP e, agora, da decisão.
A nossa CRP é uma constituição banal, idêntica às da nossa cultura, não
sendo mais de esquerda ou mais de direita, ao contrário do que por aí
se foi dizendo, por ignorância ou por má-fé. Pode pois recomendar-se a
pessoas como Telmo Correia ou Nuno Melo, que clamam por uma
"constituição liberal", a leitura de todas as constituições que nos
rodeiam.
A CRP contém o que deve conter, não havendo direitos insuscetíveis de
restrições. A CRP não é rígida e a sua leitura não é imune às
circunstâncias da realidade. Pelo contrário, o que é, como foi avaliado
neste acórdão, essencial prende-se com a fiscalização de restrições à
luz de princípios que todas as constituições democráticas têm de ter: é o
caso dos princípios da proporcionalidade e da igualdade, sendo de
perguntar aos novos "constitucionalistas" de serviço se na tal
constituição liberal imaginária eliminariam princípios como estes.
É pois mentira que o TC não tenha em conta as circunstâncias da
realidade do momento; tem e tem de ter, sendo naturalmente diferente
restringir direitos numa situação de guerra, numa situação de crise
financeira ou numa situação de paraíso, como bem explicava Reis Novais.
No acórdão que deixou o Governo "estupefacto", a situação de crise foi
claramente tida em causa. Mas não pode uma qualquer situação, como a
atual, justificar tudo, desde logo à luz dos princípios referidos. Não
há crise que os apague.
O Governo atacou os funcionários públicos e os pensionistas e
reformados à luz dos pressupostos que foram deitados por terra no
acórdão do ano passado. Fê-lo conscientemente, "sem plano B", na lei
mais importante que apresenta à AR.
A responsabilidade de tamanha teimosia é apenas do Autor do OE, que
mais não deve fazer do que acatar a decisão de um órgão de soberania, o
TC.
Curioso ouvir, anteontem, professores de Direito Constitucional, como
Rui Medeiros, que muito estimo, afirmarem (OK, ainda não tinha lido este
acórdão, este...) que o TC tinha acabado com a possibilidade de o
legislador introduzir diferenças restritivas aos funcionários públicos,
essa gente segura no emprego e bem paga.
Essa "gente" que tem profissões que não existem no privado e que ganha
proporcionalmente menos do que no privado à medida que sobe na carreira,
continua, como já está, a poder ser alvo de diferenciações.
Não saberá a longa lista de comentadores, que viu um TC a matar o
legislador, que continua em vigor o congelamento de carreiras na função
pública? Não saberá Rui Medeiros e companhia que as reduções salariais
impostas em 2011 aos funcionários público continuam em vigor? Não saberá
qualquer pessoa ler no acórdão do TC que se afirma a possibilidade de
distinções? Acontece que há limites e atendendo à crise, referindo-se à
mesma, o TC, naturalmente, não admitiu que a tal "gente", já
diferenciada em reduções salariais e em congelamento de carreiras,
pudesse, para além disso, ser sacrificada num salário a partir de 600
euros mensais e ainda sujeita ao brutal aumento de impostos que se
aplica a todos.
Aos olhos de quem esta medida cumpre uma igualdade proporcional? Aos olhos de quem a crise justifica este aniquilamento?
As vítimas eram, portanto, até o Acórdão 187/2013, os funcionários
públicos, os pensionistas e reformados (a primeira Segurança Social de
que dispomos nestes dias, como bem afirmou Daniel Oliveira), os
beneficiários dos subsídios de doença e de desemprego e os
investigadores e docentes.
Os irresponsáveis foram os Governo e a maioria parlamentar, entrando
para a história da democracia portuguesa com dois OE seguidos com normas
fundamentais inconstitucionais.
Cumpriram um dever todos os que, tendo legitimidade para tanto, se dirigiram ao TC (PJ; PS; PCP; BE; e Verdes).
Fica por explicar um Presidente da República que, crente na
inconstitucionalidade de duas normas como tal declaradas, nada fez
preventivamente.
Hoje tivemos a vitimização e o medo como arma. O "buraco" criado pela
decisão, dizem, compromete tudo. Decisão que teve efeitos retroativos,
imagine-se. Estando um dos subsídios a ser pago desde janeiro em
duodécimo e sendo o segundo devido em dezembro, qual é o problema da
retroatividade para o Governo?
Quanto a buracos, é bom lembrar o buracão em doses sucessivas
apresentado por Vítor Gaspar contando com todos os subsídios, já que a
decisão do ano passado não teve efeitos por um ano.
Devia pedir-se desculpa aos funcionários públicos e aos pensionistas
que andaram a financiar inconstitucionalmente as contas de um Governo
que governa mal, ofende, e fica "estupefacto" com o normal funcionamento
da democracia.
Deputada do PS
IN "PÚBLICO"
09/04/13
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