30/03/2013

HELENA CRISTINA COELHO

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 A Europa já não mora aqui 

A Europa deixou de ser um lugar seguro. Não se trata de guerras ou conflitos ou invasões ou vândalos e marginais a espalharem o pânico e o caos nas ruas. Trata-se, tão simplesmente, de um sentimento de intranquilidade, de uma crise de confiança, de um ambiente de final de festa onde, no final, só sobram os despojos e as contas por pagar.

Mas é nesta Europa que vivemos. É hoje difícil viver tranquilo numa Europa onde a política comunitária é decidida à porta fechada por tecnocratas que anunciam com desplante as suas decisões sem as explicar a quem sofre com elas.

É aflitivo acordar todos os dias com medo que as poupanças de uma vida inteira de trabalho sejam rapinadas das contas bancárias, sem apelo nem dó, para pagar resgates de países. É imperdoável que os líderes políticos a quem se confiam governos e o destino de nações, os abandonem anos depois empobrecidos e a contas com credores internacionais, sem que a sua responsabilidade seja apurada. É ainda penoso descobrir que a Europa solidária que alguém sonhou um dia seja hoje um clube exclusivo de gente rica, onde a moeda única faz mais para expor as diferenças económicas dos países do que para as resolver.

E é absolutamente incompreensível que as rédeas da Europa estejam hoje nas mãos de líderes sem um plano ou uma ideia, de políticos sem uma centelha de bom senso e ainda menos de sensibilidade. O ataque sem precedentes sobre Chipre e o seu sistema bancário não foi só um golpe baixo. Foi um golpe de morte na confiança europeia. Tratar um parceiro como um campo de tiro, onde se ensaiam experiências, e deixar no ar a incerteza de que outros países como Portugal podem sofrer o mesmo tipo de investida, não é apenas incompreensível. É intolerável. Neste processo onde sobram vítimas e agressores, faltam culpas e castigos.

Mas talvez a maior punição seja o abandono a que os europeus começam a votar a Europa e os seus líderes. Só uma impensável teimosia (para quê?) e não um infinito esforço (por que se evita?), mantém unido o que resta destes despojos de confiança dos europeus. A famosa piada do comediante Groucho Marx, quando disse que nunca aceitaria fazer parte de um clube que o admitisse como membro, é fácil de adaptar à Europa dos nossos dias. Mas muitos europeus prefeririam decerto ironizar, dizendo que não admitem fazer parte de uma Europa que não os merece como membros. E esta é a maior ameaça à segurança da Europa: o dia em que os europeus a deixem cair. De vez.

IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
28/03/13

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