A Europa já não mora aqui
A Europa deixou de ser um lugar seguro. Não se trata de guerras ou conflitos ou invasões ou vândalos e marginais a espalharem o pânico e o caos nas ruas. Trata-se, tão simplesmente, de um sentimento de intranquilidade, de uma crise de confiança, de um ambiente de final de festa onde, no final, só sobram os despojos e as contas por pagar.
Mas é nesta Europa que vivemos. É hoje difícil
viver tranquilo numa Europa onde a política comunitária é decidida à
porta fechada por tecnocratas que anunciam com desplante as suas
decisões sem as explicar a quem sofre com elas.
É aflitivo acordar todos os dias com medo que as poupanças de uma
vida inteira de trabalho sejam rapinadas das contas bancárias, sem apelo
nem dó, para pagar resgates de países. É imperdoável que os líderes
políticos a quem se confiam governos e o destino de nações, os abandonem
anos depois empobrecidos e a contas com credores internacionais, sem
que a sua responsabilidade seja apurada. É ainda penoso descobrir que a
Europa solidária que alguém sonhou um dia seja hoje um clube exclusivo
de gente rica, onde a moeda única faz mais para expor as diferenças
económicas dos países do que para as resolver.
E é absolutamente incompreensível que as rédeas da Europa estejam
hoje nas mãos de líderes sem um plano ou uma ideia, de políticos sem uma
centelha de bom senso e ainda menos de sensibilidade. O ataque sem
precedentes sobre Chipre e o seu sistema bancário não foi só um golpe
baixo. Foi um golpe de morte na confiança europeia. Tratar um parceiro
como um campo de tiro, onde se ensaiam experiências, e deixar no ar a
incerteza de que outros países como Portugal podem sofrer o mesmo tipo
de investida, não é apenas incompreensível. É intolerável. Neste
processo onde sobram vítimas e agressores, faltam culpas e castigos.
Mas talvez a maior punição seja o abandono a que os europeus começam a
votar a Europa e os seus líderes. Só uma impensável teimosia (para
quê?) e não um infinito esforço (por que se evita?), mantém unido o que
resta destes despojos de confiança dos europeus. A famosa piada do
comediante Groucho Marx, quando disse que nunca aceitaria fazer parte de
um clube que o admitisse como membro, é fácil de adaptar à Europa dos
nossos dias. Mas muitos europeus prefeririam decerto ironizar, dizendo
que não admitem fazer parte de uma Europa que não os merece como
membros. E esta é a maior ameaça à segurança da Europa: o dia em que os
europeus a deixem cair. De vez.
IN "DIÁRIO ECONÓMICO"
28/03/13
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