Um num milhão e meio
“É fotógrafo, está desempregado e foi obrigado a vender o seu
material fotográfico para fazer face às despesas. Chama-se Daniel
Rodrigues e venceu o primeiro prémio do World Press Photo, na categoria Daily Life” – começa assim a notícia do PÚBLICO online sobre um caso que devia fazer corar de vergonha o Governo português.
Não apenas porque o caso de Daniel Rodrigues, de 25
anos, é uma triste e óbvia situação de desperdício das capacidades de um
jovem num país que precisa como de pão para a boca de gente capaz,
criativa e produtiva. Devia fazer corar de vergonha o Governo e os que
assinaram com as troikas o memorando que nos agride todos os
dias, porque o caso de Daniel Rodrigues é o de um desempregado entre um
milhão e meio de outros desempregados em Portugal. É um dos 40% de
jovens com menos de 25 anos que estão desempregados no nosso país. Nem
todos poderiam ganhar um prémio tão prestigiado internacionalmente como
Daniel, mas todos juntos formam o maior libelo acusatório contra esta
política.
Desde que entrou em vigor o Pacto de Agressão assinado
entre FMI, BCE, União Europeia, PS, PSD e CDS, foram destruídos mais de
400 mil postos de trabalho. As estatísticas do desemprego batem todos os
recordes. E a estes números há que somar, pelo menos, os 250 mil
portugueses forçados a emigrar por não terem saída no seu país. O
Governo e a sua política condenam ao desemprego e à pobreza milhões de
pessoas.
Dirão os acólitos das troikas que a crise é uma
oportunidade. Dirão os fantasistas que o problema está na rigidez do
mercado de trabalho e da legislação laboral. Dirão os mais fanáticos que
o que faz falta é reduzir mais ainda o valor e o tempo do subsídio de
desemprego, para incentivar os preguiçosos e pouco empreendedores a irem
trabalhar. Argumentos idiotas num país com um milhão e meio de
desempregados em sentido lato e em que mais de metade já nem sequer tem
acesso a nenhuma prestação social. Argumentos mentirosos de quem opta
por fazer parte do minoria que prefere ser parte activa na propaganda do
Governo e das troikas, em vez de enfrentar a realidade e defender os interesses do seu povo e do seu país.
A
realidade é outra e é bem distinta. Em Portugal, despede-se muito e
facilmente – basta ver noticiários ou consultar com regularidade a
informação disponibilizada pelo movimento sindical unitário. O problema
do país não é a rigidez do mercado de trabalho. Pelo contrário: a
precariedade é uma praga que alastra a todos os sectores de actividade, a
todas as gerações de trabalhadores e que assume as formas mais abjectas
– gente “contratada” à hora, ao dia, à semana ou ao mês, sem vínculo, a
recibo verde, na mais completa ilegalidade.
O facto de um quarto
da população activa estar no desemprego não é só consequência da crise. É
consequência de décadas de política de direita e de destruição do
aparelho produtivo do país. Mas também é causa de mais recessão e mais
desemprego. É um brutal desaproveitamento do maior recurso que o país
tem para se desenvolver: os trabalhadores, com as suas experiências,
qualificações e aptidões diversas. Não haverá desenvolvimento do país
sem criação de emprego.
Este Governo, como todos os que se submetem ao que assinaram com as troikas,
não está em condições de tomar as medidas que se impõem. Como referiu o
Comité Central do PCP reunido no domingo (17 de Fevereiro), este é “um
rumo de desastre a que é preciso pôr termo”. E, quanto mais depressa,
melhor. Uma das palavras de ordem mais ouvidas no sábado em todo o país,
nas manifestações convocadas pela CGTP-IN que juntaram dezenas e
dezenas de milhares de pessoas em 24 cidades de todo o país, foi “está
na hora do Governo se ir embora”. Sem querer, o World Press Photo acaba
por confirmar essa urgência.
Álvaro Cunhal, cujo centenário do
nascimento se assinala este ano, disse em tempos uma frase de
extraordinária actualidade: “Tomemos nas nossas mãos os destinos das
nossas vidas”. O que o nosso país precisa é que o milhão e meio de
desempregados, que os trabalhadores que viram os seus salários cortados,
os jovens a quem querem roubar o futuro, tomem nas suas mãos as suas
vidas e imponham a ruptura com estas políticas.
Membro da Comissão Política do
Comité Central do PCP
18/02/13
.
Sem comentários:
Enviar um comentário