HOJE NO
"PÚBLICO"
Juristas defendem novo diploma para clarificar erro na lei dos mandatos
Jorge Miranda diz que Seara e Menezes não podem ser candidatos. Outros constitucionalistas têm interpretações diferentes. Mas o melhor é que o Parlamento esclareça tudo com uma nova lei.
O significado da troca de uma preposição na Lei de Limitação dos
Mantados divide juristas. Mas muitos estão de acordo num ponto: o melhor
é que a Assembleia da República faça um novo diploma, a clarificar a
confusão jurídica que está a baralhar as próximas autárquicas.
Para o constitucionalista
Jorge Miranda, não existem dúvidas: o texto publicado da Lei de
Limitação de Mandatos de 2005 é o que conta para efeitos jurídicos e
esse refere “presidentes de câmara” e não “da câmara”.
Como tal,
impede Fernando Seara e Luís Filipe Menezes de se candidatarem a um
quarto mandato em qualquer autarquia do país. São ambos candidatos do
PSD – em Lisboa e Porto, respectivamente – nas eleições autárquicas
deste ano, depois de doze anos à frente (três mandatos) das câmaras de
Sintra e Gaia.
Já o constitucionalista Tiago Duarte diz que
independentemente de ser "da" ou "de", a lei pode ser interpretada das
duas formas mas sempre à luz do princípio da renovação da classe
política consagrado na Constituição.
A Presidência da República informou recentemente a Assembleia da República de que o texto publicado em 2005 não correspondia
ao que fora aprovado pelos deputados. A versão original dizia que o
“presidente da câmara” ou o “presidente da junta de freguesia” não
podiam exercer tais cargos além de três mandatos. Na lei publicada,
fala-se em presidente “de câmara” e “de junta”.
A Imprensa
Nacional Casa da Moeda (INCM) assumiu a responsabilidade das alterações
linguísticas na lei, justificando o acto com as regras de revisão
aceites na publicação de diplomas no Diário da República. Numa nota
enviada à Lusa, a INCM refere que, não tendo a lei sido rectificada pela
Assembleia da República (AR) “deve ter havido concordância” do gabinete
do seu então presidente, Jaime Gama, relativamente à forma como foi
finalmente publicada.
O INCM justifica a alteração em Diário da
República porque, explica, “não estando identificada a câmara ou a
junta, deve utilizar-se a menção genérica do titular do cargo, ou seja,
'o presidente de cou 'o presidente de junta'".
“Este problema é um
problema jurídico de interpretação, mas também é um problema político”,
disse Jorge Miranda ao PÚBLICO. “Tendo ficado [no texto] ‘presidentes
de câmara’ não podem candidatar-se a uma câmara diferente.”
Seja
como for, acrescenta, “nada impede que a Assembleia faça uma lei
alterando esta”, clarificando que não há impedimentos a candidaturas a
uma outra câmara. “Melhor seria que a Assembleia da República fizesse
uma lei a esse respeito", conclui Jorge Miranda.
Duas interpretações possíveis
Também
o constitucionalista Tiago Duarte considera que o problema político
existe e só se resolve com uma alteração à lei, “clarificando num
sentido ou noutro" aquilo que os deputados quiseram quando aprovaram a
lei em 2005.
Mas ao contrário de Miranda, considera que ter “de”
ou “da”, para efeitos de interpretação da lei, é indiferente. O
importante, diz, é que “a lei continua a ter que ser interpretada em
conformidade com a Constituição, ou seja, à luz do princípio da
renovação da classe política”.
E aí admite duas interpretações.
Aquela que valoriza esse princípio – e que partilha – ou a que restringe
os direitos dos presidentes de câmara o menos possível, não os
proibindo de se candidatarem em qualquer município. “As duas hipóteses
são legítimas”, diz ao PÚBLICO.
“Só se consegue uma verdadeira
renovação se aqueles titulares que já estão em acção há 12 anos
saírem de cena para dar lugar a outros. Se apenas forem mudando para
outros municípios, são sempre os mesmos, não abrem espaço para outros
candidatos que não tenham um passado político”, continua. Mas admite
“uma leitura diferente” e que “se opte pela solução menos restritiva
possível”, ou seja, uma que defenda que “já há alguma renovação se [os
políticos] mudarem para outro município”.
Também o jurista Paulo
Saragoça da Matta considerou “irrelevante” a utilização da
preposição “de” ou “da”. “Atendendo ao espírito legislativo, tanto faz”,
disse à rádio TSF. “A lógica é não permitir que uma mesma pessoa exerça
pessoalmente o mesmo cargo ao longo de um período infinito, porque de
acordo com a interpretação que está a querer ser dada, uma pessoa pode
toda a vida ser autarca bastando-lhe mudar de uma câmara para a
vizinha.”
Para evitar interpretações diferentes, o
constitucionalista Bacelar Gouveia defendeu, também em declarações à
TSF, “uma nova lei que esclareça” o problema. “Se não o fizer, só os
tribunais o podem fazer”.
* Duas constatações:
-Os profissionais da INCM sabem escrever português.
-O sr. Presidente da República gosta muito de dinossauros...
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